11 janeiro 2007

Ensaio: Etiqueta

Estava eu a dar uma vista de olhos a mais uma lista no BGG quando sou confrontado com um post dedicado à etiqueta que um jogador deve ter à mesa.
Achei a ideia interessantíssima, até porque num hobby que cresceu à volta de geeks com tendência para desenvolverem taras e manias muito peculiares, nada melhor que chamar a atenção para possíveis desvios à conduta devidamente aceite pelo bom senso e pela racionalidade.
O autor da lista é um tal Michael Condoroussis que identifica alguns pontos bastante interessantes e que devem ser analisados aqui por este blog, até porque este espaço, como muito bem se sabe, é um dos poucos que serve de porta de entrada para este mundo tendo, nesse sentido, um importante contributo educacional a dar.
Por isso, e para que não haja dúvidas, nada melhor que instruir os caloiros desde o princípio para que estes não sejam alvo de ostracismos por parte dos jogadores mais experientes e com visível mau feitio.
Por outro lado, também é uma forma digna de dar a entender aos mais veteranos certos comportamentos realmente irritantes que, devido a circunstâncias várias, não se tem a coragem de alertar, principalmente quando o visado é o dono do jogo.

Não procurar a jogada perfeita
Bem sei que existem jogos difíceis de se jogar, ainda para mais quando surgem centenas de hipóteses em cada turno e não é nada fácil optar por uma delas. Mas convenhamos que esperar dez minutos para que um determinado indivíduo faça a sua jogada é um bocado demais.
Vamos lá ver uma coisa, os jogos existem para nos divertirmos e não para nos aborrecermos. Claro que quanto mais opções se tem mais divertida se torna a experiência de jogar, mas caramba parem de procurar a jogada perfeita. E se, por alguma razão se enganarem, não peçam para voltar atrás. É chato e inconveniente os outros jogadores terem de se lembrar em que situação estava o tabuleiro antes do erro.
Já me aconteceu um jogador atacar um adversário e no meio da batalha (já se tinham lançado dados) pedir misericordiosamente para voltar atrás para me atacar antes a mim. Tinha-se enganado, que pedia desculpa mas esqueceu-se de levar em consideração uma coisa. O pedido acabou por, infelizmente, ser aceite por 3 votos a favor e, claro, um contra.
A verdade é que a jogada perfeita existe, mas errar é um dos condimentos do homem e é esse toque humano que torna os jogos de tabuleiro interessantes. Se o objectivo é suprimir o erro, jogue-se então computador que já está tudo delineado do princípio ao fim.
Tenham sempre presente que muitos dos jogadores têm as mulheres em casa à espera deles e diga-se o que se disser sobre o assunto, o contentamento delas está inversamente proporcional à duração das partidas.

Não se levantar muitas vezes da mesa
Também chateia, especialmente porque isso implica que o jogo pare até que o jogador volte a sentar-se. Claro que se for para ir buscar bebidas ou para ir dar uma mija não há azar, mas se a paragem se dever à necessidade de fumar um cigarro ou saber o resultado duma partida de futebol, então a coisa começa a descambar. Qualquer paragem do jogo sente-se e pode arruinar a sessão desconcentrando e desmotivando os intervenientes. O envolvimento é bastante importante e uma paragem, por mais curta que seja, pode comprometer esse envolvimento.
Se bem que muitas vezes, o tempo que certos jogadores demoram a fazer a sua jogada dava para fumar um charuto, levar o cão a passear à rua e, com alguma sorte, até dava para uma brincadeira sexual rápida com a esposa.

Não estar sempre de telemóvel na mão
Estamos no tempo da tecnologia e parece que temos sempre qualquer coisa a dizer a alguém ou que alguém precise de nos dizer alguma coisa. Não acho que os jogadores devam desligar os telemóveis, isso seria um absurdo, mas pelo menos tenham o bom senso de desligar o som, ou nessa impossibilidade pelo menos que optem por um toque discreto. Já fiz jogos em que 2 em 2 minutos algum telemóvel tocava, forçando a paragem do jogo e, pior do que isso, obrigando os outros jogadores a ouvir a conversa:
-Oh querida não fiques chateada. Amo-te muito! Não, eu amo-te muito mais!

Não enfardar comida gordurosa
Bem, sou sincero, isso nunca se passou comigo, até porque se alguém ousasse comer um pizza enquanto joga, o mais certo é levar um murro nos queixos. Se há coisa que a malta gosta, é preservar os jogos em condições, especialmente as cartas. Mas em todo o caso fica o aviso para todos aqueles que já não conseguem ter mão no estômago. Todo o tipo de salgados empacotados é mal vindo a este universo.
Eu por acaso gosto de beber um vinho ou uma cervejola enquanto jogo tendo sempre atenção onde coloco o copo. Apesar de tudo sei que, mais tarde ou mais cedo, vai-se dar um desastre com líquidos, mas pronto, também não se vai proibir tudo. Mas a acontecer tal desastre, pelo menos que aconteça com um dos jogos do Zorg e não com um dos meus. Mas com a sorte que esse indivíduo tem aos dados duvido que lhe aconteça algum tipo de infortúnio na vida.

Não lançar os dados para o meio do tabuleiro
Os meus grupos costumam ser experientes e por isso não existe o problema de rolarem os dados para o meio do tabuleiro de jogo. Esta é uma mania dos mais inexperientes devido ao monopólio que tem muito espaço vazio no centro do tabuleiro convidando, deste modo, os jogadores a fazerem desse espaço morto a área de lançamento.
Seja como for não é muito agradável um mero lançamento de dados fazer desaparecer todas as peças colocadas no tabuleiro. Relembro que nos centros comerciais existem pistas de Bowling que servem, justamente, para esse fim.

Não ajudar o namorado/a só porque vai para a cama com ele/a
Jogar com pares de namorados é das coisas mais chatas que existem. Evito sempre, até porque existe uma tendência natural para que se ajudem mutuamente. Está certo. Afinal de contas vão dividir uma vida e convém descobrir como vai ser o futuro. Com os casados já é diferente porque já são ordens do padre, ajudar o cônjuge no bem e no mal.
- Vá, troca lá madeira por tijolo comigo ou então passas a semana a cozinhar o teu jantar!

Ajudar a arrumar os jogos
Uma tendência que muita gente tem é quando acaba o jogo pirarar-se do lugar deixando a arrumação para o dono do jogo (que remédio).
É certo e sabido que a maioria dos donos preferem arrumar os seus jogos, até porque muitas vezes essa arrumação segue uma lógica muito pessoal, mas é sempre bonito todos se disponibilizarem para o fazer. Nem que seja só para colocar as peças divididas por cores. Não façam como o Zorg que sempre que acaba um jogo que não ganha:
- Tenho aqui uma comichão na orelha esquerda, desculpem-me mas tenho de ir ali coçá-la rapidamente.

Não desistir a meio do jogo
Isto pode acontecer especialmente se houver jogadores novos que não conheçam o jogo e que, ao jogar com os tubarões, tenham um mau começo de partida. É muito frequente ficarem aborrecidos e não se esforçarem nada para inverterem a situação optando por fazer os possíveis para beneficiarem o jogador que vai à frente para que o martírio acabe depressa.
Os jogos de tabuleiro para se tornarem agradáveis têm de ter o compromisso de todos. Se um elemento falha nesse compromisso destrói por completo o divertimento aos outros. Além do mais muita da piada está em lixar o gajo que vai à frente e não dar-lhe vantagem. A não ser que o Zorg esteja a jogar, nesse caso admite-se a hipótese de o tramar só pelo prazer do ver triste e desiludido.

Não interromper o desgraçado que explica as regras
Uma das coisas mais difíceis é justamente explicar as regras aos outros. É um trabalho árduo, principalmente se houver telefones a tocar 5 em 5 segundos e toda a gente a falar ao mesmo tempo. Mas pior são aqueles que interrompem as instruções para observarem que o instrutor se esqueceu de dizer uma coisa. Deixem sempre o instrutor seguir o seu raciocínio até ao fim e se depois das regras explicadas, então aí sim, digam tudo o que têm a dizer ou calem-se para sempre.
Mas, por favor, não façam como o Zorg, que, nestas ocasiões, tem sempre o negro hábito de levantar a mão esquerda e começar aos pulos na cadeira:
- Vá Zorg, diz lá! Que chato!

Não dar dicas parvas
Esta é talvez a coisa de entre todas que mais me enerva. Jogadores que tendem a, abertamente, darem dicas aos mais inexperientes de forma a beneficiarem com elas. Para mim este comportamento é tão mau como roubar nas peças. No entanto, existem excepções:
- Não quero interferir com o teu pensamento, mas se eu fosse a ti, e atendendo ao jogo que tens, atacava ali o Zorg e lixava-lhe aqueles exércitos na Rússia. Mas isso era o que eu fazia, mas tu é que sabes.”

Não jogar dois jogos ao mesmo tempo
Confesso que nunca me passou pela cabeça tal ideia, mas pelos vistos existem pessoas que tendem a jogar dois jogos ao mesmo tempo. Isto é das ideias mais parvas que alguma vez ouvi. Mas acontece em certos grupos.
O que vão inventar a seguir, jogar Tigris de olhos fechados?
Ele há com cada um...

9 comentários:

zorg disse...

Grande parte - para não dizer todas - das referências que são feitas neste post à minha pessoa, são injustas, insidiosas e mentirosas! Isto não espanta, vindo de quem vem, mas é sempre triste! Aparentemente, alguém tem dificuldade em lidar com as derrotas continuadas com que normalmente é presenteado e, por isso, decidiu entrar pela via do insulto e da calúnia! Muito triste, de facto!

E só para que conste: eu não falo ao telemóvel, não fujo quando é a altura de arrumar o jogo, não interrompo o gajo que explica as regras (até porque normalmente sou eu quem tem essa difícil e espinhosa missão), não como salgados (nem deixo que quem está a jogar um dos meus jogos coma) e só me levanto da mesa para ir buscar mais cerveja (porque na maior parte das vezes, jogamos em minha casa).

Mas lembro-me bem do célebre voltar atrás numa guerra, no princes of the renaissance, depois daquilo já ter começado. O Hugo, que foi a vítima da segunda guerra, nunca mais se esqueceu! :)

Ah e para que conste, não fui eu a voltar atrás... não é senhor David?

:)

Costa disse...

Bom ensaio. Boas dicas.
Só falta descalçar os sapatos à entrada e calçar uns chinelinhos, não vá a carpete ficar encardida e depois a gaja canta-te o fado...
;)

Azulantas disse...

Tens razão em tudo o que referes, mas fiquei com pena do Zorg.

Devo apenas referir que já fui inadvertidamente o jogador que arruinou o jogo. Foi numa partida de Acquire para a qual me vi "empurrado".

Era um jogo a contar para um torneio e os "Tubarões" desunharam-se para ganhar o jogo que foi jogado de inicio ao fim a um ritmo alucinante, sem eu perceber patavina do que estava a jogar/passar.

O "tubarão-mor", favorito das casas de apostas para vencer o torneio com as 2 pernas às costas, ficou furibundo com umas quantas decisões da minha parte, e esteve mesmo às portas de ter um enfarte do miocárdio, tamanha era a hipertensão (cara cor de sumo de beterraba, fumo a sair pelas orelhas).
Escusado será dizer que acabou por perder o jogo e, consequentemente, o torneio.

Em meu abono devo dizer que:

1) apesar de querer experimentar o jogo, acabei por ser mais assediado para jogar do que propriamente pedir para jogar;

2) Por outro lado, fiz a minha parte, tentei, apesar de não conhecer o jogo, jogar o melhor possível;

3) Aprendi a minha lição e de futuro recusarme-ei liminarmente a jogar em torneios de jogos que não conheço, principalmente contra "tubarões" hipertensos;

4) acabei por ficar a detestar o jogo, por todas as razões mais erradas.

zorg disse...

Isso é verdade! O Obelix é dos poucos que tem o bom gosto e a educação de, de vez em quando, levar a cerveja, quando vai lá a casa jogar. Os outros são, infelizmente, uma cambada de animais que não só não levam nada, como ainda reclamam quando não tenho...

Hugo Carvalho disse...

Sim, ele leva as cervejas porque se for a confiar em ti bebe as cervejas mornas, que é o que me acontece.
- Ah, alguém quer cerveja? É que eu só tenho uma fria!

zorg disse...

Mas que grande cara de pau! Vai a minha casa jogar, bebe-me o vinho e/ou as cervejas e depois ainda reclama que não estão frias???

Sabes que há uma razão para elas às vezes não estarem frias? É que o meu frigorífico tem espaço não infinito e depois de já teres bebido as 5 que eu tinha destinado para ti, a 6ª já tenho de ir buscar à dispensa.

E isto para não falar nos vinhos de alta qualidade (D. Martinho e quejandos) que te são servidos sempre que vais lá a casa, por oposição aquela zurrapa chilena que me deste, quando estivemos a jogar no teu covil. Até o Shahim, habituado a bebidas persas semi-venenosas, se revoltou contra aquilo...

Azulantas disse...

BiL,

Vai-te curar. Quantos jogos com dados é que jogamos? Lembro-me de uma ou 2 vezes o Catan (que não gosto particularmente) e do Risco, que não jogamos há anos. De resto T&E (sem dados), TS (sem dados), PR (sem dados), Zombies!!! (sem dados), e por aí fora.

Claro que fico cansado já que jogar contra ti, que normalmente és muito mais competitivo do que eu, depois de ler, traduzir e interpretar regras enquanto tu esperas descansadinho, e ainda querer ganhar, é muito cansativo.

Mas também é agradável e jogo sempre com prazer.

Abraços

Anónimo disse...

Lembro-me de ver cair uma cerveja em cima de um jogo de culto: P of the Renaissance. Foi um choque, vieram-nos as lágrimas aos olhos. Mas depois não tinha nada. Secou tudo e nem manchou. É mesmo um grande jogo. Até a cerveja o prova.

As paragens para o xixizinho são mais que muitas. Só o #nbs# bebe dois vírgula cinco litros de cerveja por noite. Nós compreendemos. Aquilo tem de ir para algum lado.

Jogar dois jogos ao mesmo tempo parece-me uma ideia razoável. Claro que, se quisermos matar o Costa, até podemos escolher o Liberté e o Perikles. Mas, com outros títulos, não sei se não se deveria experimentar.

Se alguém atende o telefone o sequer ousa olhar para a televisão, leva logo com meia dúzia de caralhadas (carinhosas, claro).

Dalton L.C. de Almeida disse...

Ótimo texto e se senso de humor apurado...repassarei para colegas de jogatina, quem sabe eles aprendem algo de útil. ;)

Pena que estou a poucos milhares de quilometros de distância, por algum motivo acredito que só de observar a jogatina de vcs, já me valeria o tempo. :)

Parabenizo a todos pelos comentários...são quase tão bons quanto o texto.

Abraços

Dalton Almeida
almeida.dalton@gmail.com