22 outubro 2008

Memoir 44: Soldadinhos de plástico

Muita coisa tem vindo a mudar na minha vida de jogador nos últimos meses. Se é verdade que, durante muito tempo, qualquer jogo de tabuleiro me fascinava e me distraía durante várias horas, independentemente da sua temática, mecânica ou mesmo aparato visual, agora, depois de ter começado a jogar jogos com uma vincada ambiência militar, a minha definição de entretenimento deu um rodopio de 180º e tudo o que não possua tiros, sangue e mortes pode tornar-se bastante aborrecido e é bem natural que daqui para a frente me torne um tipo insuportável quando chamado a jogar um Euro.
A minha primeira experiência no domínio dos Wargames foi através deste Memoir 44. Esta afirmação pode inclusive estar neste momento a despertar os mais variados comentários de desprezo por parte dos Wargamers, mas a verdade é que, digam eles o que disserem, Memoir 44 é uma óptima porta de entrada para este fabuloso mundo dos jogos de guerra.
Richard Borg conseguiu, através dum sistema imaginativo e bem oleado, reduzir a duração de reprodução duma batalha, normalmente 77 horas, para apenas trinta minutos. Além deste feito, que não é tão pequeno como isso, Richard Borg simplificou as regras de tal forma que um jogador conseguirá calmamente, e em apenas meia hora, ler o livro de instruções na cama antes de adormecer e ainda ficará com tempo suficiente para chatear a parceira para uma fogosa aventura sexual. Aviso já os leitores audazes que a fogosa aventura sexual durará bastante menos que a leitura.
Esta notável filosofia da simplificação criou um novo paradigma na abordagem a este tipo de jogos. Agora sabemos todos que, qualquer pessoa, poderá fazer uma batalha com um amigo sem chatear a esposa que normalmente, noutras condições, ficaria privada do seu macho pelo menos durante uma semana. Esta inovação, bastante sensata diga-se, trouxe com ela muitos novos jogadores e, claro, muitas vendas.



Memoir 44 foi feito de encomenda para as comemorações do 60º Aniversário do Dia D e da libertação da França. Por isso não é de estranhar que os primeiros cenários dos muitos disponíveis sejam precisamente do afamado desembarque na Normandia e das consequentes batalhas em terras Francesas.
A ideia do jogo é bastante simples. Dum lado estão os Alemães e do outro os aliados. Tradicionalmente, salvo algumas excepções, no primeiro contacto com o jogo, cada um dos adversários terá a oportunidade de movimentar dois tipos de unidades, os soldados e os tanques. Os tanques são mais rápidos que os soldados e têm um poder de fogo de meter medo. Por outro lado, de nada valem em certas localizações, como florestas, cidades ou cercas de florestação onde perdem poder de fogo. As unidades de infantaria, por outro lado, têm mais facilidade em se esconderem e aproveitarem os terrenos que constituem cada cenário para beneficiarem de alguma vantagem face à oposição das unidades inimigas. Cada unidade de infantaria pode lançar em batalha 1, 2 ou 3 dados consoante a distância a que está do alvo. Por outro lado os tanques “disparam” sempre 3 dados, mas este número pode ser reduzido quando o disparo tem como objectivo unidades estacionadas em cidades ou florestas cuja visibilidade é menor. Aproveitar as características dos terrenos e os pontos vitais do mapa são os factores determinantes para vencer uma batalha.
Existem mais algumas coisas que vão aparecendo com o desenrolar das campanhas, como fortes, arame farpado, pontes, artilharia e unidades especiais que tornam cada cenário uma experiência única com características distintas e singulares.

Toda esta roda militar que este escriba vos escreve é movimentada por cartas. Cada general ou jogador tem várias cartas na mão e essas cartas servem para darem ordens às unidades que estão no terreno. Por exemplo, o jogador tem uma carta que lhe permite movimentar todas as unidades no lado esquerdo. Desta forma o jogador na sua jogada movimenta só as unidades do lado esquerdo do mapa. Em contrapartida, todas as outras unidades ficam paradas. Existem cartas de vários tipos, que permitem movimentar apenas uma unidade, recuperar unidades que sofreram baixas em rondas anteriores, construir trincheiras, duplicar o poder de fogo, pedir um ataque aéreo e muito mais. A ideia subjacente a tudo isto é que o jogador não pode movimentar as suas peças conforme a sua vontade. São as cartas que ditam o que fazer. Ao jogador caberá a tarefa de, mediante as opções que tem em mãos, seguir aquela que melhor lhe serve no rumo da batalha. Poderá haver alturas em que o pobre do general não terá nada de jeito que possa fazer. Muitas vezes acontece o jogador ter várias unidades do lado direito da batalha e não ter cartas que permitam movimentá-las. Nestas ocasiões o melhor é fazer o que se pode com o que se tem ao centro e à esquerda.


Como já referi, uma batalha nunca demora muito tempo a ser resolvida. Tudo isto se desenrola rapidamente. Todavia, julgo que um cenário desvenda-se totalmente aos jogadores nas primeiras 3 tentativas e, a partir daí, pode-se tornar bastante previsível e os generais perderem a motivação para o repetirem. A boa notícia é que existem, pela última contagem, 7026 cenários espalhados pela net e alguns deles podem ser mesmo sacados da página oficial do jogo. Muitos foram desenhados pelo próprio autor. Se mesmo assim o jogador achar que é pouco, então porque não fazer os próprios cenários e partilhar essa veia com o mundo? Memoir 44 é um jogo que nunca se torna repetitivo e existem sempre desafios diferentes, com regras diferentes e pormenores variados. Se juntarmos isso ao facto de haver 5 expansões com muitas novidades dentro delas (existe mesmo a possibilidade de trazer aviões para o mapa), a experiência Memoir 44 parece não ter fim. Como se tudo isto fosse coisa pouca, existe sempre a possibilidade de se juntarem 2 mapas e jogar-se em Overlord, que transforma uma simples batalha num épico para mais do que os tradicionais dois jogadores com o dobro das unidades e das opções.


Memoir 44 é um jogo catita, servido com dezenas e dezenas de figuras de plástico que tornam tudo agradável à vista e que transformam os combates numa diversão. Não é um jogo de guerra como nós os imaginamos, difíceis, cheios de particularidades e que dão trabalho a aprender e jogar. Mas isso é, contudo, o seu maior trunfo. É um jogo directo e simples que elimina tudo o que pode ser supérfluo e apenas se centra nas manobras de cada lado da contenda. Não espere decisões muito difíceis mas também não espere grandes facilidades. Vai sentir dúvidas e vai ter afrontamentos quando lhe faltarem as cartas para o movimento que lhe dava jeito. O melhor é usar a imaginação. Tudo limpinho, sem sangue e sem lama. Na verdade faz-nos lembrar a altura em que, quando éramos mais novos, comprávamos soldadinhos de plásticos e que depois, quando so tínhamos na mão não sabíamos o que fazer com eles. Quanto muito, lançávamos berlindes para ver quantos é que tombavam. Pois bem, Memoir 44 é o jogo para essas figurinhas de plástico mostrarem o que valem.
Além disso, pode até servir, para os pais mais interessados, como introdução à segunda guerra mundial aos filhos.

Classificação ***