12 fevereiro 2008

Session Report: Race for the Galaxy e Reef Encounter

Nota muito prévia: Esta session report foi escrita, para além do amor normal destas ocasiões, com uma grande dose de ironia. Apesar da utilização desse estilo ser, por si só, motivo de grande orgulho para o seu autor, ele refere-se especialmente e exclusivamente a 3 visados que, por várias razões, podem ser bastante queridos para muitos dos que têm o prazer de ler este blogue. Assim, se ama incondicionalmente os jogos Race for the Galaxy, Reef Encounter e tem uma admiração pelo Sporting Clube de Portugal e é facilmente susceptível, aconselho vivamente a que não passe os seus olhos e a sua atenção para nada do que vier a seguir.
O que eu quero evitar, a todo o custo, são mais chatices. Em todo o caso, se vinha com boas intenções e devido a este aviso ficou de pé atrás, clique num dos links do lado onde, certamente, se sentirá compensado pelo incómodo causado.
A todos os outros, depois não digam que não os avisei.


Mais um dia, mais um jogo.
Desta vez o entusiasmo dos meus comparsas era sentido duma forma muito peculiar. Tinham experimentado recentemente o Reef Encounter que se revelou uma bela surpresa sobre vários aspectos e andavam doidos por o jogar uma segunda vez:
- É muito bom – diziam enquanto comiam mais um naco da entremeada de leitão servida em doses bastante generosas no Benfiquista, restaurante de tradição mediana e que deve o nome à feliz filiação clubística do dono.
Não contentes com a confiança e ainda imbuídos dum espírito de alegria em sequência dos golos do Fátima que iam entrando na baliza do grande rival do clube dos seus corações, avançaram mesmo para planificação daquela que seria considerada, por muitos, como a noite mais que perfeita no que toca a jogos. Uma sessão de Race for the Galaxy para aquecer os motores e logo de seguida uma de Reef Encounter.
A convicção do sucesso da noite foi tanta que até houve lugar a brinde, coisa rara nos momentos de repasto, mas que, devido à imperial oferecida pelo dono do Restaurante, pouco mais havia a fazer.
- Ao Fátima e aos jogos!
- Ao Fátima e aos jogos!

A explicação do Race for the Galaxy foi complicada de perceber. Mas a coisa começou logo mal. Afinal a primeira frase da explicação foi uma já bastante conhecida e que me começa a enervar bastante a alma de jogador:
- Existem vários roles. Cada vez que um jogador joga uma carta de role, todos podem e devem fazer a correspondente acção.
Mas, se as regras, que tirando a 1ª frase, foram difíceis de perceber, pô-las em prática foi ainda pior. Qualquer carta que eu punha na mesa, com aquele tão característico entusiasmo dum novato num misto de infantilidade e descoberta, era logo abafada pelas vozes mais experientes a transbordar austeridade e punição:
- Não podes!
E se, após alguns momentos de profunda reflexão, colocasse outra:
- Não podes!
Por isso, o desespero foi grande mas, com algum esforço, lá consegui jogar uma carta válida, embora não estivesse certo para o que servia. Os meus adversários, como seria de esperar, tratavam já o jogo por tu e as cartas saiam-lhes das mãos com bastante ligeireza, fazendo-me lembrar a agilidade dos croupiers dum qualquer casino do mundo.
Mediante a desvantagem no marcador, que com o passar das rondas era mais vincada e humilhante para a minha pessoa, lembrei-me de fazer uma pergunta bastante pertinente e reveladora daquilo que espero quando me sento à mesa. Quais eram, afinal de contas, as formas de poder atacar directamente um adversário. Tinha lido que há uma estratégia militar que pode ser usada…
- Não podes!
Bem, revelado todo o entusiasmo que uma partida de Race for the Galaxy pode ter, pelo menos no que concerne à parte militar, concentrei-me numa forma de ganhar alguns pontos. Fiz a acção correspondente e a coisa não correu como eu esperava:
- Ora bem deixa lá ver, esta parte é um bocado difícil de perceber numa primeira fase, por isso toma atenção para perceberes todo o processo. Tens aqui esta carta amarelinha que te dá um ponto e esta azulinha que te dá outro. Eu tenho esta vermelhinha que em conjugação com esta amarelinha me dá 3 pontos. Tas a ver? Agora pego nesta verdinha e ganho mais 1 ponto e nesta azulinha e ganho mais 3 pontos. Percebeste?
O mistério adensava-se e comecei a desejar o fim daquele suplício. Entretanto fui olhando com muito agradado para a arte das cartas que estava verdadeiramente brilhante. Bem bonitas as cartas. No meio daquilo tudo alguém escolheu a produção. Tal como previa a coisa não foi favorável para o meu lado:
- Ora bem, tu tens um planeta amarelo, ganhas uma cartinha amarela. Recebes mais uma azul por causa desta cartinha aqui. Tas a ver? Eu recebo duas amarelas, três azuis, uma verde…
Terminado o jogo e feitas as contas, o resultado não foi coisa que me pudesse orgulhar. No entanto, na conversa pós sessão, não pude evitar de ouvir alguns comentários bem interessantes e, porque não dizê-lo com toda a sinceridade, estranhos:
- É espectacular o jogo. Cada vez que jogo gosto mais dele. É mesmo brilhante!

Próximo jogo, Reef Encounter.
Devo confessar que tinha tido uma jornada de trabalho um pouco cansativa. Muita coisa a fazer, e parecendo que não, nos dias de maior movimento, uma pessoa acaba por ficar mais fatigada do que em dias de menor exercício laboral. A verdade é que o jogo Race for the Galaxy não ajudou a arrebitar e portanto estava numa posição debilitada. A explicação das regras correu bem, mas percebi logo o que me esperava.
O jogo começou e desde logo instalou-se um silêncio desconfortável. Ninguém falava e estavam todos absortos nas tiles que lhe caíram em sorte. Comecei a ouvir o tic tac do relógio de parede e aquele som deu-me para adormecer. Comecei a sonhar com mulheres nuas a snifar coca e a beber champagne. Despi-me também de preconceitos e snifei com elas. Tinha acabado de vender 3 quadros num leilão de arte moderna e o tempo era de comemoração. Agarrei-me a uma delas e senti-lhe os seios ainda a desabrochar, mas rijos…
- Joga pá!

Despertei do idílio e pensei no jogo. Joguei quatro tiles amarelinhas e depois coloquei o camarão em cima delas. Saquei 3 tiles vermelhinhas e uma azulinha.
Quando passei, o jogador seguinte demorou algum tempo a fazer a sua jogada. Tudo em silêncio, nem um pio se ouvia a não ser a o som da urina da vizinha de cima que tinha ido à casa de banho. Esse som fez-me adormecer novamente e vi-me na pele dum príncipe renascentista a percorrer a cavalo as bonitas cidades italianas, comprando influência aqui e ali. À minha frente todos os homens abriam, com respeito, passagem e todas as mulheres olhavam-me encantadas e com desejo. Não havia na renascença homem mais corajoso que eu e de família mais prestigiada…
- Joga pá!

Ainda atordoado fiz a minha jogada. Mudei uma tile amarelinha para uma verdinha, depois comi uma tile azulinha com as minhas tiles amarelinhas. Joguei 4 tiles laranjinhas e saquei do meio 2 azulinhas e outras duas vermelhinhas.

Fechei novamente os olhos á procura de melhores momentos. Estava frio e senti os dentes a bater. Estava no Lancashire com a minha amada Camila e planeávamos, juntos, construir a maior rede de linhas-férreas de Inglaterra. Chegaríamos a todas as cidades e poderíamos contribuir para o desenvolvimento do país, ganhar muito dinheiro…
-Joga pá!

Lá joguei umas cores quaisquer, tanto fazia, e coloquei um camarão em cima. Afinal, e segundo o que me foi explicado desde o início, o camarão e a sua colocação era de especial importância para a estratégia. Com tudo isto já se tinha passado uma hora e a namorada do dono da casa apareceu vinda das brumas:
- Vocês estão todos bem? Não os oiço há que tempos. Estão tão sossegados…

Mas o sono voltou e sonhei com Lisboa a ser atacada por criaturas mitológicas e que eu fugia delas a todo o custo. Safava-me à morte de forma ágil e ao meu redor sentia a morte dos lisboetas e o cheiro a sangue. Centauros, Fénix, Titans, Krakens atacavam sem piedade, mas eu conseguia-me safar energeticamente de todos os perigos que encontrava pela frente…
-Joga pá! Estás para aí a dormir e depois dizes que os jogos não prestam.

No caminho até casa o Rádio dava então a notícia que eu não esperava. O Sporting, por obra do destino, deu a volta ao marcador e ganhou o jogo ao Fátima. Paulo Bento falava da atitude e do espírito de sacrifício. Cheguei a casa ainda ensonado e quando me deitei a mulher perguntou interessada:
- Divertiste-te?

06 fevereiro 2008

Crítica: La Città

Com a queda do Império Romano do Ocidente, iniciou-se um novo período chamado de Idade Média. Assistiu-se, então, a grandes alterações na Europa, tanto a nível político, como económico, social e cultural. Uma das principais consequências de todas estas mudanças foi o colapso das cidades que, como sabemos, eram um dos principais pilares do Império.
Com a chegada dos povos do Norte, passou a existir menos comércio entre as urbes e as populações acabaram por as abandonar, migrando para os campos afim de trabalhar neles. Mediante a perda das transacções financeiras e do desaparecimento da moeda, a terra passou a ser o meio principal de subsistência.
Com o passar dos séculos, as cidades voltaram a ter a importância merecida, nomeadamente em Itália. Voltaram a florescer os mercados, as trocas comerciais e com o esgotamento das terras, as pessoas procuraram melhores condições nestes pólos.
É precisamente aqui, nesta fase de desenvolvimento urbano que Gerd Frenchel chama os jogadores de todo o mundo para tentarem eles fazerem parte deste processo. Assim surge La Cittá, um jogo já com 8 anitos mas que, passado todo este tempo, ainda é falado e jogado por todos os que gostam de jogos de tabuleiro.

Cada jogador que decidir sentar-se à mesa, faz o pomposo papel dum príncipe italiano e tem como objectivo, além de constar nos livros de história, a árdua tarefa de fundar e fazer crescer as suas cidades. Para o efeito vai começar o jogo com duas no mapa. Esse começo equivale a dois castelos, um em cada cidade e com 3 bonecos de população neles. A partir daqui o megalómano príncipe terá de se esforçar por conseguir prosperar a sua urbe, construindo para esse fim edifícios e mais edifícios e também chamando mais população para as terras em questão. A ideia do jogo é bastante sedutora e desde de início consegue convencer. O mapa é bonito e as dezenas de bonecos de plástico fazem acreditar que existem ali pessoas. Eu gosto de jogos com bom aspecto e fico muito feliz quando as editoras se dão ao trabalho de substituir os cubos por miniaturas. Portanto, neste aspecto, pouco mais se pode pedir a La Città.


Existem algumas regras que têm de ser cumpridas desde o início. Aconteça o que acontecer, cada cidade vai ter de possuir um mercado quando existirem nela 5 bonecos (cada boneco são 1000 pessoas). Se atingir esse máximo e não tiver um mercado, a cidade não poderá crescer. Por outro lado, também terá de ser construída uma fonte ou uns banhos públicos sempre que a cidade chegar aos 8000 elementos. Estas construções terão obrigatoriamente de serem feitas junto aos lagos disponíveis no mapa. Tudo muito terra a terra e lógico. Como se fosse pouco, o príncipe terá de ter em atenção duas coisas importantes. A primeira é a alimentação da sua população. Quanto mais a cidade crescer populacionalmente, mais terras para cultivadas terá de ter. Isso resolve-se com a construção de uma quinta. No entanto poderá ser necessário recorrer à construção de mais quintas caso o jogo comece a correr de feição. Quanto mais gente, mais difícil é administrar e ter controlo. Outro dos problemas que se colocam ao jogador é dinheiro. Como está bom de ver, para fazer as construções, é necessário haver metal. Esse metal vem das pedreiras, que tal como a quinta tem de ser construída em locais específicos. Isso permite ao jogador ter alguma liquidez para as rondas, podendo construir edifícios melhores e mais valiosos.
Relembro que inicialmente os pobres jogadores começam com duas cidades e terão de pensar nas duas e desenvolvê-las em conjunto, que é mais um problema bastante complicado de resolver. O dinheiro e a comida vale para o conjunto das duas cidades.
Este é um desafio bastante interessante. Dá dores de cabeça e faz um jogador ter de tomar decisões complicadas.

A população que se estabelece nas cidades existentes no mapa migra dumas para as outras em sequência das suas necessidades e importância que a sua opinião dá a determinados assuntos. Ou seja, a população procura melhores condições na Saúde, Ensino ou Cultura. Até aqui tudo bem. Todas as rondas, os jogadores conhecem as necessidades do povo e mediante essas necessidades os príncipes são confrontados com as migrações. É aqui, em resultado disto, que as cidades crescem em população ou diminuem. Exemplo: Os cidadãos decidem que querem melhor ensino. A partir desta altura as cidades que tenham mais edifícios dedicados a esta área da vida, recebem novos moradores das cidades vizinhas. Como se verifica, a coisa tem sentido e enquadra-se bem no tema.
O problema é a forma como essa opinião é expressa. Gerd Frenchel não gere bem esta particularidade do jogo. São colocadas quatro cartas viradas para baixo e uma para cima. Essas cartas representam precisamente as áreas de Saúde, Ensino e Cultura. O problema neste sistema é que os jogadores só sabem qual é o assunto da primeira carta, desconhecendo as restantes. Isto quer dizer que um dos aspectos mais importantes do jogo está confinado a um golpe de sorte. Ora, isto origina um total desconhecimento sobre que tipo de estruturas a construir afim de evitar a migração da população do jogador. Claro que nem tudo é negro. Existem acções que poderão estar disponíveis onde o jogador poderá ver algumas das cartas escondidas. Mas essa acção nem sempre está livre e quando está, não está para todos. Muitas vezes só alguns jogadores poderão ter uma ideia de qual a opinião da população e assim defender-se das migrações. É pura sorte. O melhor é construir edifícios de todos os tipos. Mas nem sempre todos os tipos de edifícios estão disponíveis. Outro problema. O que acontece neste jogo é que o jogador pode ver todas as portas fechadas e ter de fazer uma acção que não seja a melhor para a situação que vive no mapa. Este é um aspecto que me deixou desanimado e que não me convenceu de todo. No jogo que fiz fiquei muitas vezes encravado porque as opções disponíveis eram pouco convidativas, tendo de optar por o mal menor, ou no pior dos cenários, passar.


As acções do jogo processam-se da seguinte maneira. Do baralho retiram-se as primeiras sete cartas que ficam viradas para cima e o jogador pode escolher uma delas como acção, pagando o respectivo valor. As acções disponíveis são construir edifícios, que podem ser melhores ou piores, duplicar a produção de comida, trazer mais população, ver algumas das cartas de opinião que estão tapadas e dobrar uma cor. Por outro lado cada jogador tem na mão 3 cartas que poderá usar quando quiser que permitem ir buscar dinheiro ou construir um edifício básico (fonte, quinta ou mercado).
As acções que estão disponíveis são aleatórias, podendo o jogador quando jogar ter do bom e do melhor, ou não ter nada. O destino que decida. Normalmente quando não aparece nada de interessante, o jogador pode entreter-se a buscar moedas ao banco ou então construir os edifícios básicos enquanto as cartas que lhe dão jeito não aparecem.
Não gostei muito deste sistema. A ideia de só algumas acções estarem disponíveis é pouco entusiasmante e pode prejudicar um jogador de forma gratuita. Normalmente há opções também elas válidas, mas a sensação de um jogador ter de bandeja uma determinada acção e outro não arrepia-me um bocado.

Outro dos aspectos que não gostei é a forma como se conta a influência aquando da opinião da população. Cada edifício tem uma cor. Essa cor pode ter um valor de 1 a 3, consoante o preço do edifício. O valor em questão aparece em forma de arcos (estilo Mc donald’s) cada arco vale um ponto. Imaginemos que a população achou que a saúde é a coisa mais importante. Os jogadores que tiverem cidades vizinhas contam os arcos brancos. Quem tiver mais arcos ganha. Pessoalmente não gosto de contar cores. Detesto andar a contar cubinhos com cores que não sejam a minha. Acho parvo. Mas isso é uma coisa pessoal, mas normalmente não afecta os jogadores mais habituados a estas coisas, por isso não levem a sério esta opinião. Cada um de nós tem as suas manias e a minha é esta. No entanto a coisa tende a ficar ainda mais negra quando uma das acções que se pode escolher é colocar um boneco por cima dum arco e assim esse arco vale dois. Para mim é uma coisa patética. Qual a necessidade disso e que integração é que uma particularidade dessas tem no tema? Não gostei, porque além de ter de contar as cores dos arquinhos ainda tenho de contar os bonecos que estão em cima das cores dos arquinhos. Novamente é uma idiossincrasia minha que mais nenhum jogador que conheço partilha. Seja como for deito-me muitas vezes a pensar porque diabo não gosto de contar cores nos jogos de tabuleiro que não sejam a minha.


Em suma, La Città não é um mau jogo. Joga-se com bastante agrado e permite muito falatório na mesa. É um jogo que se explica bem e que facilmente se põe toda a gente a jogar. Tem decisões a tomar, nem sempre fáceis e entretêm bem a matilha. Consegue ter momentos muito bons quando o raciocínio do jogador é puxado para os elementos mais terra a terra, como alimentar a sua população ou ter de construir mercados e fontes. No entanto parece-me que é um jogo cuja experiência é diminuída por causa do elemento sorte. É um jogo agradável mas que parece que nunca chega a arrancar embora não envergonhe a família do seu designer. Mas, verdade seja dita, o jogo tem um ritmo interessante e os turnos decorrem duma forma rápida. Seja como for é bastante melhor para quem não se importa de contar cores.

Classificação **