18 maio 2009

Wealth of Nations: Amigos amigos negócios à parte


Uma das grandes maravilhas que a televisão recentemente me ofereceu foi sem dúvida a prestigiada série americana Anatomia de Grey. Não sei se existe alguma mensagem subliminar nos diálogos ou então nas célebres cenas de elevador mas a verdade é que as mulheres andam completamente doentes por aquilo. A minha, como seria de esperar, segue o exemplo do mundo e já faz parte do clube de fiéis seguidoras do programa. Veste o pijama, faz pipocas para alimentar uma família inteira, dá-me o Gabriel para as mãos e, durante horas, deixa-se estar no sofá com os olhos depositados no televisor como se não houvesse nada mais importante na vida do que as desventuras amorosas daqueles médicos bonitões.
Mas o que é demais também cansa e, depois de 5 ou 6 episódios seguidos, cai na realidade e permite-me então escapar de casa por algumas horas e fazer o que bem me der na gana.
- Vai, eu fico com ele!
E foi assim, na sequência deste sentimento de culpa feminino, que me meti no carro e fui na bisga para casa do Zorg onde me esperava uma bela sessão de Wealth of Nations.

Wealth of Nations tem uma carga mítica por trás que é sempre bom recordar à mesa antes de se explicar as regras. A empresa responsável pelo jogo faliu no exacto momento em que as cópias estavam numa longínqua e movimentada doca da China, prontas para serem transportadas para os Estados Unidos. Diz-se que os trolhas chineses descansavam sentados em cima delas enquanto aguardavam ordens para carregar. Mas quis o destino que, em vez de serem lançadas ao mar ou vendidas a um euro e meio numa das muitas lojas chinesas de bugigangas espalhadas pelo mundo, as cópias chegassem sãs e salvas à terra do cão de água mais famoso do mundo. Depois de andarem em convenções da especialidade e de haver uma reacção positiva, num ápice foram vendidas 2000 em apenas um mês. Uma delas, atravessou o oceano e chegou feliz mas cansada à casa do Zorg. Mediante esta epopeia inter-continental, nada mais natural do que confirmar o valor lúdico do título em questão.


Wealth of Nations é um jogo económico com muita negociação pelo meio e que põe toda a gente a discutir preços como se fossem marroquinos num bazar para turistas. A sinopse consiste em cada um dos jogadores ter a seu cargo uma potência fictícia e desenvolvê-la industrialmente de forma a poder transpirar saúde financeira e aparecer nos noticiários do mundo como um exemplo a seguir. Os mecanismos são bastante intuitivos e simples de perceber e, olhando para o Player Aid, os jogadores mais experientes conseguem perceber facilmente o jogo.
O jogador vai poder construir quintas, geradores de energia, bancos, fábricas, minas e academias. Estas construções, quando entram em fase de produção, vão originar 6 recursos diferentes que não são mais do que cubos coloridos e também notas (no caso do banco). Assim, é necessário gerir comida (das quintas), energia (dos geradores), dinheiro (bancos), capital (fabricas), minério (das minas) e trabalhadores (das academias). Como já certamente percebeu, a conjugação dos vários tipos de cubos permitirá ao jogador construir e produzir mais, tornando deste modo a sua potência mais forte e competitiva.
Exemplo muito prático: A produção de minério necessita que o jogador tenha uma mina e para além disso um cubo de energia e outro de comida para que a mina produza; um banco produz 30 dinheiros mas para os produzir precisa também de uma comida e de uma energia; construir um hexágono de academia que vai fornecer trabalhadores, vão ser necessários 1 minério e 1 capital; a construção de um gerador vai consumir, tal como a academia, um minério e um capital e bla, bla, bla, bla, bla. Já toda a gente jogou 7000 jogos com este sistema de cubinhos e portanto já percebeu que vai precisar de todos para poder fazer alguma coisa de jeito. No entanto, não pense o adorado leitor que o jogo é um deja vu insuportável. Nada disso, Wealth of Nations traz consigo ideias muito bem conseguidas, bastante interessantes e que funcionam muito bem tornando a experiência bastante fresca e desafiadora.


Para começar o mapa é um hexágono gigante onde as potências vão construir na medida do possível as suas indústrias. O espaço é pequeno e o sistema de construção não dá jeito nenhum, dificultando imenso a vida ao jogador que tem de pensar muito bem a melhor forma de se expandir e arrumar as suas construções. Existem industrias que produzem 3 recursos, outras que produzem 2 recursos e 1/2, outras 2/4 recursos, outras 1 e 1/3, etc. Pode-lhe parecer estranho, mas a ideia é que o jogador tenha de construir vários hexágonos da mesma cor para poder ter algum proveito.
Exemplo: Se eu construir uma mina ganho um minério, mas se construir duas já ganho 3 e se construir a terceira mina ganho 5. A grande chatice é que os hexágonos de construção entram muitas vezes em conflito e é difícil arranjar uma posição permitida pelas regras, tornando assim o espaço num bem muito valioso que convém gerir com alguma inteligência e planeamento.


Existem recursos mais valiosos que outros e, em consequência disso, mais difíceis de produzir. Mas como já escrevi, irá precisar de todos. Não à volta a dar e escusa de arquitectar um plano para ser auto-suficiente. Vai cobiçar e necessitar bastante dos cubos do vizinho do lado. A sua dependência pela produção alheia é grande, muito embora possa sempre conseguir o que pretende no mercado. Só que o preço a pagar é bastante mais alto do que aquele que conseguirá regateando com os outros convivas. Esta premissa é a alma da experiência.
O que ressalta logo à vista é que o jogo vem equipado com uma mecânica de mercado bem sensual e que funciona na perfeição. Assim, consoante a variação da oferta e da procura, os valores dos cubos oscilam também. Se houver muitos cubos azuis o valor deles baixa, mas se houver poucos o seu preço sobe consideravelmente. Um bocado à semelhança do que acontece no Brass. O que torna o mecanismo interessante é que os jogadores podem, ao não vender os seus cubos excedentes, tornar os preços mais altos, mas como estão dependentes da produção alheia, os outros jogadores podem fazer o mesmo, criando aqui uma situação bastante interessante de ser resolvida. Para mais o dinheiro é escasso e este é daqueles jogos que por vezes uma diferença em um dinheiro é considerável.
Exemplo prático que está sempre a acontecer: Um jogador tem 35 dinheiros para gastar. Precisa de comprar um cubo vermelho e outro preto. Se comprar ao mercado vai gastar 41. Tinha então de fazer um empréstimo que é sempre chato, mas se tentar comprar estes dois cubos a jogadores pode consegui-los pelos 35. Para isso terá de negociar e ser simpático. Se conseguir pelos 35 óptimo, mas se conseguir, após várias tentativas por 36, terá de pedir um empréstimo. Pela diferença mínima será obrigado a endividar-se.
Os empréstimos podem ser pedidos quando se quiser e na quantidade que se achar necessária. Porém, sempre que pedir um empréstimo o valor que recebe em troca é menor do que o anterior. Se pedir um empréstimo recebe 20, mas se pedir o segundo já recebe 19 e assim sucessivamente. No fim terá de pagar 25 por cada um. Não chateia, podia ser bem pior.


Em jeito conclusão posso afiançar que gostei imenso deste Wealth of Nations. É um jogo de negociação para homens e por vezes atinge alguma tensão e intensidade especialmente quando se diz não. Eu não sou um grande apreciador de jogos de negociação precisamente por causa disso. As pessoas têm tendência a transformar-se e a levar um bocado a sério a capacidade de persuasão ao ponto de se tornarem desagradáveis. Wealth of Nations pode, nesse aspecto, transformar-se de alguma forma numa experiência algo violenta. Por outro lado como existe muita conversa entre o vende e não vende, o tempo que o jogador fica à espera da sua vez pode exceder o razoável originando uma falta de ritmo considerável e de alguma forma desmotivante. Além disso o planeamento do que se quer fazer não é de todo evidente e é necessário saber o que se quer construir, quantos cubos são precisos, quais as cores e o preço que se está disposto a dar. Esse cálculo ainda carrega mais o tempo de espera. Outro dos aspectos a ter em consideração é que o jogo penaliza imenso uma má jogada. Basta calcular mal um cubo para lixar todo o esquema de produção. Isto origina que o jogador fique para trás e se sinta desmotivado a continuar, o que é de certa forma grave quando um jogo pode atingir as 3 horas.
Em contrapartida para os apreciadores da negociação Wealth of Nations é um diamante raro e acreditem os entendidos do género que há muito para explorar. Não é só o negociar mas também o produzir de forma sustentada para que haja uma continuidade ao que se transacciona. Pode-se ser um negociador nato, mas se o sistema de crescimento industrial não está devidamente desenvolvido, pouco há a fazer.
O mercado é um mecanismo que seduz bastante e, em consequência, os jogadores querem aprender mais sobre ele e testar as suas ideias de forma a tirar o melhor partido das oscilações que sofre. Não é de estranhar que haja falatório após a partida e cada cabeça dite a sua sentença e, quanto a mim, só há uma forma de saber quem tem razão, jogar outra vez. E garanto que quem experimenta quer lá ir novamente. Isto é um ponto a ter em consideração, especialmente para aqueles jogadores que compram muitos jogos mas que raramente têm a oportunidade repetir.
Por outro lado, com repetidas sessões poderá haver tendência para se formar um padrão negocial o que tira o efeito surpresa, mas como só joguei uma vez não posso sustentar esta ideia.
Contudo o maior ou menor sucesso da sessão depende do grupo. Jogar com quem sofre de AP pode transformar uma ronda num autêntico pesadelo.
O jogo sofre ainda de males menores como o final algo atabalhoado ou a forma como gere os empréstimos. Nada de extraordinário, claro, mas que obrigaram o seu designer pensar em formas de melhorar esses pormenores, abrindo para o efeito um fórum no BGG com algumas soluções.
Uma boa notícia é que está a ser testado uma expansão com o sugestivo nome de War Clouds que poderá, quem sabe, apimentar a interacção.

Classificação: ***