29 novembro 2006

Babar: A arte de Mike Doyle

Dei por mim há relativamente pouco tempo a pensar que as editoras de jogos poderiam investir em edições limitadas para coleccionadores. Seria um negócio em princípio bem lucrativo, principalmente quando se trata de jogos que têm grandes adeptos. Falo do Puerto Rico, do Caylus, Tigre e Eufrates, Catan, Formula Dé, etc. As tiragens seriam obviamente limitadas e qualquer fã não resistiria a gastar uma boa maquia para ter uma edição de luxo do seu título preferido. Para mostrar aos amigos ou para simplesmente ficar a olhar para ela. Um pouco à semelhança do que a indústria de Hollywood faz com as edições de DVD.
Ora este tema veio outra vez à baila a propósito da edição brasileira de Modern Art. Saúda-se a audácia da Odysseia em apostar numa edição luxuosa dum jogo extraordinário e que certamente vai vender muitos exemplares, pelo menos assim o espero. (reparem como me faço à oferta dum exemplar por parte dos responsáveis da Odysseia).
Ora o autor do design da magnífica edição brasileira é um senhor chamado Mike Doyle, designer de profissão e adepto incondicional de jogos de tabuleiro. Colabora com muitas editoras e é para mostrar o seu trabalho que decidi publicar este singelo post.
Não há muito a dizer sobre o senhor, mas certamente muito para ver.
Aconselho vivamente a consulta do site e babem-se com os projectos pessoais deste designer e o que ele conseguiu fazer de jogos tão conhecidos como Tempus, Catan, Tigre eEufrates, Caylus, Dune, Age of Mythology. Percam-se nos links e nas imagens e depois digam qualquer coisa.

http://mdoyle.blogspot.com/



27 novembro 2006

Ensaio: Caçadas, pescarias e jogatanas

Estava a eu a passear pela costa litoral portuguesa quando me deparo com pescadores de ar sorridente, de cana de pesca na mão a tentarem a sua sorte num domingo soalheiro.
A paz e a tranquilidade que esses pescadores sentiam fizeram-me pensar como é bom ter um hobby que funcione como um escape para o corrupio diário que todos nós sentimos durante a semana.
Já antes também tinha observado, com algum entusiasmo, figuras nocturnas com os seus corpos estacionados à esquina das ruas esperando a chegada de outros companheiros para uma caçada em terras alentejanas.
Nunca fui um admirador das caçadas nem das pescarias pelo que nunca me meti nisso, mas para quem o faz, nota-se um brilho nos olhos cada vez que se fala no hobby que escolheram. È natural, afinal de contas são estes pedaços de tempo que tornam as vidas de cada um suportáveis e apetecíveis.
Como sabem todos aqueles que por aqui andam, há bem pouco tempo também eu escolhi um hobby. Os jogos de tabuleiro. Bem sei que é uma coisa que não traz estatuto nenhum e que causa alguma estranheza naqueles que estão mais habituados aos nomes de Monopolio e Trivial. É natural, até porque estes dois exemplos são o cúmulo da chatice e nada de verdadeiramente motivante acontece nesses tabuleiros.
- Qual é a capital de Turquia? Como se chamou o Presidente dos EUA assassinado em Dallas?

Normalmente quando digo a alguém que tenho uma tara por jogos de tabuleiro, os segundos seguintes a tal afirmação transformam-se num silêncio pouco sedutor para a minha pessoa e sinto que acabo de descer uns pontos na consideração da criatura que, cheia de boas intenções, fala comigo. A partir da revelação a conversa tem tendência para ficar incómoda e sinto uma súbita pressa do interlocutor em se pirar o mais depressa de ao pé de mim.
Ter o Hobby dos jogos de tabuleiro não é muito gratificante socialmente. Começa logo pelo trabalho. Imaginemos uma entrevista de emprego. A determinada altura o empregador vira-se e pergunta:
- Sim senhor, temos aqui um excelente currículo. Bem vejo que tem uma experiência considerável no ramo. Tem algum hobby?
Este tipo de perguntas colocam uma pessoa como eu entre a espada e a parede. Por um lado a acção imediata é contar a verdade. Sim senhor tenho um hobby chamado jogos de tabuleiro. Havia de experimentar, porventura até era capaz de lhe fazer bem.
Seja como for, se decidirmos arriscar, a resposta vem desinteressada como sempre:
- Hum...

Mesmo em jantares sociais a coisa também descamba. Principalmente quando as pessoas envolvidas se tentam conhecer umas às outras. Uns jogam futebol, outros fazem Jogging, outros caçam, outros pescam, outros jogam Playstation e ainda há alguns que vão ao futebol.
- E tu Hugo, quais são os teus interesses?
E se, entusiasmado, avanço com a verdade, uma vez que se o jogar Playstation e o ver futebol não despertou estranheza dos presentes, a resposta, ao contrário do que gostava veio enigmática:
- Hum...

Já com as mulheres o caso é ainda mais dramático. Existe uma dificuldade tremenda em aceitarem os jogos de tabuleiro como um hobby como outro qualquer. Não sei porquê, se calhar é mesmo uma questão de estatuto. Deve ser porque têm medo de dizer umas ás outras que o marido tem como hobby os jogos de tabuleiro. Têm a mania das grandezas é o que é. Se fosse pesca ou caça, hobbys de estatuto lendário, se calhar nem se importavam:
- Vê lá que o meu marido foi ao Alentejo caçar...
A reacção dos pares perante este desvendar privado desperta não só a aceitação como também a cobiça pelo macho.
- Interessante...interessante....
Ora os jogos de tabuleiro não conseguem competir com o alarido dum peixe esventrado num anzol ou dum coelho desfeito com um tiro na cabeça. Tenho notado muitas dificuldades dos parceiros de jogatana em conseguirem arranjar tanto tempo para o hobby como os caçadores para a caça, ou os golfistas para o golf.
Eu que o diga, cada encontro pode ser um martírio.
- Oh querida! Toma lá este perfume que me custou 50 euros e já agora esta sexta à noite não contes comigo porque tenho um encontro com a malta dos jogos. Prometo que não mato nenhum animal nem gasto dinheiro nenhum.
Mas, apesar das minhas intenções pacíficas, a resposta já é há muito conhecida:
- Hum...

15 novembro 2006

Critica: Modern Art

Têm sido correntes as conversas em torno da hipótese de nos próximos dias alguém vencer o Euromilhões e ficar com aquele dinheirão todo.
É sempre bom ouvir as pessoas a falarem nessa hipótese como se fossem favas contadas:
-Ai eu primeiro fazia isto, e depois também fazia aquilo...
Uma coisa parece certa, a maioria dos teóricos das fortunas virtuais são da opinião que qualquer pessoa que ganhasse tanto dinheiro teria de ocupar o tempo em alguma coisa. Aparentemente não é possível estar muito tempo sem fazer nada. Segundo um psicólogo autor dum livro sobre coisas relacionadas com a psicologia, o Homem é um ser que precisa de se mexer, de se envolver em alguma coisa para se sentir realizado e feliz.
E possibilidades não faltam. Uma rápida consulta pelos que me são mais próximos foi reveladora dos planos. Um jogava na bolsa, outro passeava 5 anos pelo mundo, outro dava-se como voluntário para ajudar os outros, outra ia adoptar crianças pró Sri Lanka, etc., etc.
- E tu, Hugo? Hum? O que é que fazias se te saísse tanto dinheiro?
A resposta não veio imediata, mas uma reflexão mais profunda revelou-a:
- Eu, eu acho que iria negociar arte!
O espanto invadiu a cara de todos aqueles que me ouviram, mas sem saberem que, por detrás desta revelação estão cerca de 4 meses de grande experiência em especulação e também a compra e venda de quadros dos maiores pintores do mundo. É um talento que tendo a esconder de todos mas que muito me orgulha, especialmente quando estou bêbado.



Tudo isto se deve ao génio de Reiner Knizia. Homem de ofícios vários que no longínquo ano de 1992 se lembrou de criar um dos jogos mais simples do mercado e também dos mais interessantes. Corre por entre alguns jogadores a teoria de que quanto mais simples um jogo for melhor este se torna. Não subscrevo a 100% esta afirmação, mas uma coisa é certa, quanto mais simples for o jogo, mais malta se predispõe a jogá-lo.
Modern Art é um jogo simples. Tem um conceito simples, uma mecânica simples e um objectivo simples. Tenho-o usado mesmo como introdução ao universo dos jogos de tabuleiro e tem tido grande aceitação por parte dos caloiros.
Por outro lado tem sido o título que mais tenho jogado nos últimos 4 meses e posso dizer que já não consigo deixar do jogar. Sou um jogador paciente e conservador, pelo que não é costume perder dinheiro com as transacções e tenho tido a felicidade de encher os bolsos com as vendas. Tenho notado alguma evolução nesta nobre arte do comércio de telas e embora seja virtual, devo dizer que se fosse a sério, meus amigos, estava multimilionário.
Modern Art, apesar do seu brilhantismo tem o seu calcanhar de Aquiles nos componentes. É dos jogos mais pobres a esse respeito que tive a oportunidade de jogar. Ainda para mais quando o tema é tão rico. Este jogo poderia servir dum bom veículo para mostrar a obra de pintores aos jogadores, principalmente a todos aqueles que não ligam patavina aos pincéis e às telas. Meia dúzia de partidas e qualquer um já sabia distinguir um pintor impressionista dum expressionista a milhas de distância. Penso que se as cartas tivessem reproduções de quadros famosos e de estilos diferentes o jogo teria uma componente educativa bastante grande e serviria até para os pais poderem mostrar aos seus rebentos os meandros da pintura.
Infelizmente os responsáveis de Mayfair Games assim não o entendem e preferem apostar no humor, inventando para o efeito, pintores atormentados pela vida e sem um talento especial, tirando talvez as obras do pintor Yoko que, pelo menos, sempre representam a Pop Art. Verdadeiramente arrepiante a forma como o jogo é tratado!



Quanto ao jogo propriamente dito, tudo se baseia no leilão. Cada jogador recebe uma mão de cartas e, à vez, vai colocando os quadros em cima da mesa para serem leiloados. Existem vários tipos de leilão:
O aberto - onde todos os jogadores vão subindo a parada até que ninguém cubra o último valor.
O leilão duma ronda - onde cada jogador, seguindo os ponteiros do relógio, tem apenas uma possibilidade de fazer a sua oferta.
O leilão fechado - onde os jogadores colocam a sua oferta em mão fechada e revelam simultaneamente o valor desta.
Existe também a possibilidade da venda ser directa, onde o jogador pede um valor pelo quadro sendo este vendido a quem o quiser comprar.
Existe, sob certas circunstâncias, a possibilidade de vender dois quadros ao mesmo tempo, tendo o jogador que os coloca à venda uma fonte de receita não negligenciável, até porque em cada turno só é permitido vender um quadro por jogador.
Cada quadro tem nele a inscrição do tipo de leilão a utilizar para a sua venda. Existem leilões em que os quadros atingem valores mais elevados, como o caso do leilão aberto. Um leilão fechado poderá render menos umas moedas que um leilão de uma ronda, embora este género de observações seja bastante relativo.
Basicamente é isto, os jogadores vão colocando sobre a mesa os quadros que querem vender e com os quais pensam obter uma maior receita, ou então numa manobra mais arriscada, contribuírem para estragar o jogo dos outros.
No final de cada uma das 4 rondas do jogo fazem-se contas.
Os 3 autores mais vendidos (dum total de seis) terão os seus quadros valorizados. Assim os quadros comprados do autor mais vendido renderão ao seu comprador 30 dinheiros, o segundo 20 e o terceiro 10.
A estes valores somam-se os valores das rondas seguintes, de forma que quanto mais se venderem os quadros dum autor, mais valiosos se tornam, tendo sempre em atenção que existe um universo limitado de pinturas dum determinado pintor.
No fim de tudo o jogador que tiver mais dinheiro é o vencedor.
Tudo muito simples e funcional.



O que assistimos na mesa é um envolvimento constante dos participantes no jogo. Ora leiloando, ora especulando, ora tramando o parceiro. A única coisa que interessa é ganhar dinheiro, fazer valorizar os quadros dos pintores que se tem em mão e vender tudo ao melhor preço possível.
Um dos aspectos interessantes do jogo é que a experiência do jogar varia muito consoante os jogadores. Existem jogadores que se esforçam por desvalorizar os quadros comprados pelos outros e jogadores que, o que lhes interessa, é dinheiro em caixa.
Ao certo não se sabe qual a receita para se vencer uma partida de Modern Art. Há quem diga que os quadros não devem ser comprados a mais de metade do preço de mercado, outros dizem que não, outros dizem que o que rende é comprar os próprios quadros, outros dizem que essa atitude é deitar dinheiro fora.
Gerir esta especulação é que torna o jogo motivante. Normalmente colocar na mesa um quadro do pintor da berra é mais gratificante para o vendedor e para o comprador que colocar um quadro dum pintor sem historial. Mas isso depende muito dos jogadores que estiverem na mesa e das cartas que se tem em mãos. Mas este raciocínio é o mais habitual e o que melhores frutos dá.
Modern Art é um pau de dois bicos, por um lado pode produzir reviravoltas extraordinárias ou então, pelo contrário, pode ser bastante previsível. Claro que a primeira situação torna o jogo mais motivante para quem o joga, mas são raros os jogos em que isso acontece. A experiência dos jogadores contribui para que o jogo seja mais prolongado e mais difícil, mas basta um elemento mais inexperiente para que as surpresas acabem. Nesse particular existem desequilíbrios que tendem a beneficiar quem menos arrisca. Nada de extraordinário mas que pode chatear os mais exigentes.
Mas seja como for eu adoro o jogo. Demora 45 minutos e os leilões constantes trazem um certo charme que só é beliscado pelos horríveis componentes, que nos relembram que Modern Art é apenas um jogo.
Em suma, se anda à procura dum jogo fácil, divertido, com muita interacção e que se jogue rápido, Modern Art é o seu alvo. É barato e o tema envolve bem os jogadores. É difícil pedir mais. Aconselho a compra duma boa garrafa de vinho. Afinal de contas, durante 45 minutos você está a sentir no pêlo o que é negociar arte e isso, caro leitor, exige alguma sofisticação.

Pontos Positivos:
- Jogo rápido e muito fácil de aprender
- Grande envolvimento entre jogadores e tema
- Quando jogado com jogadores experientes tudo pode acontecer
- O preço
- A possibilidade duma nova edição pode tornar a experiência visual de Modern Art mais interessante

Pontos Negativos:
- Componentes tão maus que até fazem chorar o mais insensível dos jogadores
- Tem alguns desequilíbrios que beneficiam os mais conservadores


09 novembro 2006

Review: San Juan e as cartas estaminais

Há uns bons anos atrás, um jovem empregado do registo de patentes acordou de manhã pouco contente com o comportamento da mecânica clássica em referenciais acelerados a velocidades próximas das da luz. Podia ter acontecido a qualquer pessoa! E esse jovem fez a única coisa que uma pessoa que acorda de manhã descontente com o comportamento da mecânica clássica em referenciais acelerados a velocidades próximas da luz poderia fazer: despenteou o cabelo, deixou crescer um bigode à Artur Jorge, arranjou uma mulher boa e criou a teoria da relatividade, resolvendo o problema de uma vez por todas. O seu nome era Albert Einstein e é um ícone da cultura pop, aparecendo em inúmeras t-shirts por esse mundo fora.

No entanto, o que pouca gente sabe é que Einstein não acertou à primeira! Alguns anos antes da teoria da relatividade, que prima pela elegância e simplicidade com que resolve as questões mais complicadas, publicou outra teoria, a que chamou "A teoria das explicações incrementalmente complexas para problemas decrementalmente simples e cuja complexidade se pode aferir pelo comprimento do seu título", que procurava responder às mesmas perguntas, mas de uma forma muito menos elegante e simples, que envolvia partículas subatómicas falantes, espaços a 20 dimensões e forças conscientes com comportamentos emocionalmente instáveis e contas do psiquiatra brutais.

Era a atracção natural que a juventude sente pela complexidade a sobrepôr-se à racionalidade simplificadora, que tão bons resultados costuma dar.



Há uns poucos anos atrás, outro jovem alemão acordou de manhã muito pouco contente com a oferta existente no mercado, de jogos de tabuleiro com um tema de colonização das caraíbas e com um sistema económico interessante baseado na exploração sanguinária de mão de obra escrava. Podia ter acontecido a qualquer pessoa, também. Naturalmente, esse jovem fez a única coisa que alguém que acorda de manhã descontente com a oferta existente no mercado, de jogos de tabuleiro com um tema de colonização das caraíbas e com um sistema económico interessante baseado na exploração sanguinária de mão de obra escrava, poderia fazer: despenteou o cabelo, arranjou uma mulher fogosa e sem preconceitos, tatuou uma inscrição anti-racista no pénis e criou o San Juan.

O seu nome é Andreas Seyfarth, ainda está vivo e de boa saúde, e é um ícone sexual lá na casa dele, aparecendo em inúmeras fotos!

No entanto, o que pouca gente sabe é que Seyfarth não acertou à primeira! Alguns anos antes do San Juan, que prima pela elegância e simplicidade com que resolve as questões mais complicadas, publicou outro jogo, a que chamou "Puerto Rico" e que procurava dar resposta à mesma falha, mas de uma forma muito menos elegante e simples, que envolvia moedas, milho e uns tokens castanhos esquizofrénicos, com problemas em assumir a sua identidade de escravos selvaticamente explorados.

Era, tal como no caso de Einstsein, a atracção natural que a juventude sente pela complexidade a sobrepôr-se à racionalidade simplificadora, que tão bons resultados tem dado.

É verdade meus senhores, segurem as vossas calças, para não ficarem nuinhos com o espanto e não revelarem nenhuma inscrição anti-racista tatuada num sítio menos próprio: eu acho que o San Juan é melhor que o Puerto Rico e estou disposto a defender a minha convicção num ringue, numa troca de patadas voadoras e assentamentos de espadas, como fazem os homens!

Mas vamos ao jogo!



A caixa

A caixa é pequena e pouco entusiasmante. Nem sei porque me estou a dar ao trabalho de falar dela! O que vem lá dentro ainda excita menos: um baralho de cartas, uns quadrados de cartão com os vários roles, umas tiras, também de cartão, com os vários preços possíveis para os bens, um bloco para registar os resultados e um lápis. A resposta à pergunta que todos vocês estão a fazer neste momento em voz alta é: sim, o bloco e o lápis são mais inúteis que uma caixa de preservativos numa orgia de lésbicas, mas os restantes componentes são de boa qualidade!

O jogo

Tal como o Puerto Rico, este é um jogo sobre economia... e uma economia bastante tradicional!

Há que construir um sector produtivo, pô-lo a produzir bens à custa da exploração sanguinária de trabalho escravo - não sei se já tinha referido esta parte antes - e depois trocar esses bens para obter pontos. O interesse do jogo está na forma como tudo isto é feito e na forma subtil como a exploração sanguinária do trabalho escravo é omitida dos mecanismos do jogo.

Há aqui duas ideias brilhantes, pela eficácia e simplicidade, que merecem destaque, veneração e uma dança ritual esquimó de agradecimento ao Deus Tinui, A Grande Foca Branca: os roles e as cartas estaminais.

Ideia brilhante 1: os roles

O centro do jogo são os roles, que é uma ideia brilhante, também usada no Puerto Rico.

Há 5 diferentes (builder, prospector, trader, counsellor, producer) e cada um tem uma acção e um privilégio, com excepção do prospector que só tem privilégio.

Na sua jogada, o jogador escolhe um e aplicam-se os efeitos da acção a todos os jogadores. O privilégio só se aplica a quem escolheu o role.

O Builder permite construir edifícios e o privilégio é fazê-lo com desconto. O Producer permite produzir 1 bem, numa fábrica que esteja livre, e o privilégio é poder produzir 1 bem adicional. O Trader permite trocar 1 bem por mais cartas e o privilégio é poder trocar um adicional. O Counsellor permite escolher 1 carta de entre duas e o privilégio é poder escolher de entre cinco. O Prospector não tem qualquer acção e o privilégio é poder biscar uma carta do baralho, ou seja, só a pessoa que escolhe o Prospector é que beneficia do seu efeito.

Ideia brilhante 2: as cartas estaminais

No San Juan as cartas podem representar quase tudo! Os edifícios são cartas, o dinheiro são cartas e até os recursos são cartas. Só os jogadores é que não são cartas, mas é pena, porque poderiam perfeitamente ser!

Cada carta representa um edifício e há 2 tipos: edificios de produção e edificios especiais roxinhos, como o cabelo de uma cantora punk dos anos 70, com uma fixação no roxo.

Os edificios de produção, permitem produzir. Duh. Assim, quando alguém escolhe o Producer, cada jogador retira uma carta do baralho e, sem olhar para ela, coloca-a sobre um edifício de produção que esteja desocupado. A partir desse momento, essa carta torna-se o bem correspondente ao edifício de produção. Carta estaminal a dominar!

Os edificios especiais, roxinhos, como a túnica amaricada de um cabeleireiro, obrigam a uma piadinha homofóbica inevitável: quem os constrói demonstra ser uma pessoa especial, capaz de fazer uma afirmação de modernidade, tolerância e respeito pelas opções sexuais desviadas e antinaturais dos demais jogadores. Agora que já despachámos isto, posso referir que também permitem executar acções que, em condições normais, violariam as regras do jogo, como por exemplo produzir mais bens do que o normal, quando alguém escolhe o Producer, poder trocar mais bens do que o normal quando alguém escolhe o Trader, ganhar pontos adicionais (o Guild Hall permite ganhar dois pontos por cada edificio de produção que o jogador tenha, por exemplo), etc.

Grande parte da estratégia reside, por isso, na escolha de que edifícios produzir e quando.

Para contruir um edifício é preciso tê-lo na mão (ao edifício, claro), é preciso que alguém tenha seleccionado o role de Builder e é preciso ter dinheiro para o pagar. Notar que construir, neste contexto, tem o significado muito particular de colocar a carta à frente do seu dono, virada para cima, e não construir alguma coisa mesmo, com cimento, tijolos, imigrantes ilegais, máfia russa e essas coisas, como estou certo que a maioria de vocês estava a pensar. Mas há aqui um twist interessante: o nosso Andy não se contentou com esta história dos edifícios e dos bens serem cartas e levou o conceito estaminal mais longe, fazendo das cartas também dinheiro. E são as mesmas cartas!

Ou seja, imaginemos que eu tenho 4 cartas na mão e uma delas é uma fábrica de açucar que eu pretendo construir porque, pretendo lançar-me na arriscada e perigosa aventura da produção e comércio internacional de açucar, ou tão só porque quero meter açucar no café. Imagine-se também que o Hugo tinha seleccionado o Builder, porque não deve muito à inteligência e acha a imagem na carta do Builder bonita. Quando chegar a minha vez de usar a acção do Builder, terei oportunidade de construir a tal fábrica de açucar, pagando o seu preço, ou seja 2 pesos. Mas, pagar 2 pesos significa deitar fora 2 cartas das tais 4 que tinha na mão. Ou seja, depois da acção estar concluída, terei gasto 3 cartas: a fábrica de acucar, que agora repousará linda e altaneira à minha frente, virada para cima, depois de eu a ter construído e 2 cartas adicionais que "paguei" por ela, que agora repousarão lindas e altaneiras na pilha de cartas descartadas, viradas para baixo.

Não é preciso ser um génio para perceber as decisões interessantes e difíceis que este mecanismo simples introduz no jogo:

Uso esta livraria para pagar a construção do Aqueduto, ou espero um bocado até ter mais cartas e opto antes por construi-la?

Construo este aqueduto, que me vai permitir produzir um bem adicional na fase de produção e perco este guild hall, que vai render-me muitos pontos no final?

É uma ideia simples, mas muito eficaz!

Uma ronda

Uma ronda é um processo muito simples.

O jogador que tem a carta do governador escolhe um role e toda a gente aplica os seus efeitos (embora só o próprio beneficie dos privilégios). De seguida a vez passa para a pessoa à sua esquerda que escolhe outro role, dos que sobram, e assim por diante. A ronda termina quando o último jogador (aquele que estiver sentado à direita do governador) escolher o seu e os seus efeitos forem aplicados. Nessa altura, a carta do governador é passada para a esquerda, são verificados os limites de cartas e começa tudo de novo, com o novo governador a ser o primeiro a escolher. O jogo termina quando alguém construir 12 edifícios. O primeiro governador de todos é escolhido por um processo qualquer aleatório.

Apreciação final

San Juan é um excelente jogo! Dá muita margem de manobra aos jogadores e para se jogar bem é preciso saber aproveitar as oportunidades tácticas que vão surgindo, nomeadamente através das escolhas do role certo, na altura certa. Por exemplo, escolher o Trader quando ninguém tem bens para trocar a não ser eu, é uma vantagem importante para mim.

Mas não é tudo, já que tem também uma componente estratégica muito importante! Há muitas maneiras de fazer pontos e é preciso ir moldando a economia que se vai construindo de acordo com a estratégia escolhida. Por exemplo, se eu planear construir um Guild Hall perto do fim do jogo, que me vai render 2 pontos por cada edificio de produção, convém ter muitos edifícios de produção, para maximizar os seus efeitos.

A escolha da estratégia a seguir também não é trivial. Tem de se ter em conta a mão de cartas inicial, mas também é preciso ir tendo flexibilidade de adaptação, ao longo do jogo. Muitas vezes também é bom ser proactivo e não ficar à espera que saia uma determinada carta. Um bom jogador não é aquele que só domina uma estratégia e só joga bem quando lhe saem as cartas que lhe dão jeito para a implementar. Há que ter flexibilidade e o Counsellor está lá é para ser usado!

O San Juan tem ainda 2 outras qualidades importantes: joga-se depressa (com jogadores experientes, consegue-se terminar um jogo em 30/40 minutos) e é surpreendentemente bom como gateway game, devido ao seu baixo factor "incha porco!", que permite que os novatos vão jogando em segurança sem medo de levar uma berlaitada e sintam que construiram alguma coisa no fim, mesmo que percam o jogo.

Pessoalmente prefiro-o ao Puerto Rico. Parece-me mais elegante, acho a ideia de usar as cartas para tudo de génio e penso que constrange menos o jogador a cada jogada.

Enquanto no Puerto Rico há 2 estratégias conhecidas (a shipping e a builder) e quem dominar uma delas, pode lutar pela vitória em todos os jogos, independentemente das condições iniciais, no San Juan já não é bem assim. É preciso muito mais criatividade e capacidade de adaptação e não tanto, o dominar uma estratégia e o mais eficiente na sua execução.

Posto de outra forma: enquanto no Puerto Rico a cada jogada há 3 ou 4 alternativas válidas por onde escolher - e admito que muitas vezes essa escolha é dificil e interessante, porque o Puerto Rico é, de facto, um bom jogo - com o intuito de implementar uma de duas estratégias, no San Juan há 7 ou 8 alternativas válidas, para implementar uma de muitas estratégias possíveis.

E ainda por cima é barato e joga-se bem a 2, 3 ou 4! O que é que estão à espera? Vão a correr comprar! Já!


03 novembro 2006

Campeonato de Puerto Rico

Este blog transformou-se derepente numa agência noticiosa onde as notícias circulam à velocidade da luz.
A verdade é que este mês tem acontecido muita coisa. Essen e o encontro de boardgamers são só alguns exemplos.
E para que a euforia não acabe nunca, serve este post para dar a conhecer oficialmente o primeiro campeonato de Puerto Rico de Portugal.
Pois bem, terá lugar na loja Runedrake sita na Travessa Henrique Cardoso 71B em Lisboa (estação de metro de Roma). A inscrição custará 5 euros e o vencedor ganhará honra e o reconhecimento dos pares como o melhor jogador de Puerto Rico do País.
Não sei se será muito ou pouco, mas o importante é participar e conviver.
Os jogos começam a partir das 14 horas do próximo Sábado dia 11 de Novembro e acabarão quando Deus quiser.
Para todos aqueles que queiram participar mas que não sabem as regras, na próxima Quarta Feira dia 8 de Novembro vai-se fazer um “workshop” onde os interessados podem aprender as regras e melhor do que isso, jogar.
Por isso não se acanhem e apareçam. Prometemos que não ouvirão musica dos Vaya con Dios.
Para mais informações consulte o site http://abreojogo.com

01 novembro 2006

Session Report: Bel em Portugal

Finalmente aconteceu. Aproveitando a estadia em terras lusitanas da Isabel, ilustre contribuidora do blog brasileiro Oba Tijolo, juntamo-nos para uma jogatana na casa do Zorg e também para trocar experiências e opiniões sobre Lisboa e, claro, sobre o que nos juntou, os jogos de tabuleiro.
De mochila às costas, depois de ter dado uma valente volta pelo país, Isabel chegou à capital sã e salva e conforme o que estava prometido, encontrámo-nos todos.
Jantámos em Cascais e o repasto foi bastante agradável, como era de esperar. Contaram-se histórias daqui e dali e ficámos todos bastante esclarecidos sobre as capacidades duma figura mítica brasileira de nome Tânia que domina as mesas tal e qual um leão domina as selvas. Os feitos dela são incontáveis e confesso que tanto eu como o Zorg sentimos bastante medo. Tive uma sensação parecida à que tinha em criança quando assistia aos filmes de terror, especialmente ao Exorcista e durante a noite não preguei olho. A minha namorada agora, sempre que me quer assustar diz:
- Olha que eu chamo a Tânia!
Falámos imenso sobre os nossos jogos preferidos, aos que queremos jogar e aos que vamos comprar nos próximos tempos. É bem visível que Reiner Knizia e Himalaia dominam as preferências de todos e a Isabel demonstrou uma curiosidade sobre Martin Wallace.
Passado o tempo da refeição fizemos uma caminhada longa até à Boca do Inferno com o intuito de aterrorizar a nossa simpática convidada. Mas o ambiente medonho e infernal deste precipício pareceu não incomodar a jogadora brasileira:
- Para quem já viu a Tânia a jogar Ticket to Ride, isto não é nada!
Tomámos contacto também com as grandes invenções do Dimitri. A Isabel teve a amabilidade de explicar as regras dos jogos dele e ficámos bastante impressionados com as ideias. Talvez tenhamos a possibilidade, num futuro próximo, de experimentar as suas criações.
Fomos então para casa do Zorg e jogámos os três à nova criação de Klaus Teuber que eu não conhecia mas que já tinha ouvido falar - Elasund. Tivemos um serão bastante agradável e o jogo fluiu bem e é bastante interessante o que demonstrou que o criador de Catan continua em grande forma para alívio dos gamers.
A vitória sorriu-me e a diferença foi tão grande em relação ao Zorg e à Isabel que por uns momentos tive a sensação do que é ser Tânia.
A noite já ia longa e lá nos despedimos fazendo algumas promessas de jogar online no BSW.
Mas na minha memória ficou a simpatia desta amiga de hobby e claro, a tradicional frase de cada vez que os dados lhe eram favoráveis:
- Oba!