05 janeiro 2009

Ghost Stories: os eurocooperativos

Um gajo passa por várias fases, quando entra neste mundo dos jogos. No início, logo após ter jogado o primeiro "jogo de estratégia" em que, de facto, é necessária alguma estratégia para ganhar - a fase a que os peritos chamam "tesão do mijo" - um gajo só quer é jogos pesados e mete, o que eu chamo, as palas da complexidade: "eu sou um gamer, meu amigo! Gosto é de jogos com baixo factor sorte, muita complexidade e que dure pelo menos 6 horas! O ideal para mim seria uma mistura de Die Macher com Age of Steam e uns pozinhos de Caylus, que é para ficar mais complexo! Não quero cá trivial pursuits, nem pictionaries"!

Depois, um gajo começa a perceber que há jogos que são giros de jogar, demoram muito menos tempo do que todos Die Machers deste mundo, e onde o pessoal todo, mesmo o que gosta do Trivial e do Pictionary, se consegue divertir à grande. É aí que um gajo tira as palas da complexidade e olha à sua volta para descobrir, maravilhado, que é precisamente esse o mercado que as editoras de "eurogames" pretendem atingir e que, por isso, a oferta é imensa, original e diversificada. É nesta fase que se descobre que há toneladas de jogos de média complexidade interessantes, que há milhares de jogos de cartas da classe "20 segundos para explicar as regras, 20 minutos para jogar o jogo" que são um verdadeiro regalo com o grupo certo e que até há jogos em que toda a gente ganha, ou toda a gente perde, os jogos cooperativos.

E é de um destes cooperativos que vos venho falar hoje, mas antes, um pouco de história!

Durante muitos anos, a grande referência dos cooperativos foi o Lord of the Rings, da autoria do grande mestre Knizia. Mais tarde, começaram a aparecer alternativas, como o Shadows over Camelot (que introduziu a ideia de haver um traidor disfarçado no grupo, que podia ganhar o jogo sozinho sabotando as acções dos outros), ou o Arkham Horror, passado no universo de H.P. Lovecraft. Todas estes jogos eram ricos em tema, demoravam 2.30h, ou mais, e todos tinham a sua legião de fãs.

Recentemente, uma nova tendência surgiu: a dos jogos cooperativos rápidos (1h, ou menos) assentes em mecanismos inteligentes e inspirados. No fundo é como se os cooperativos, depois de uma fase mais visceral e ligada ao tema, se tivessem "euroízado". O percurssor destes novos "eurocooperativos", foi o Pandemic, um inacreditável caso de sucesso comercial da Z-Man. Este ano foram lançados 2 novos jogos nesta linha: o Red November, do incontornável e caótico Bruno Faidutti, e o jogo de que vos vou falar, o Ghost Stories, do quase estreante Antoine Bauza.



O tema

Alguém já viu filmes de kung-fu antigos?

A história podia ser tirada de um: o malvado feiticeiro Wu-Feng quinou mas, infelizmente, isso não significa que tenha deixado de ser um problema para toda a humanidade! Não, do além, o gajo mandou uma data de servos infernais - criaturas horripilantes, assustadoras e, de uma forma geral, pouco simpáticas - para tentar recuperar a urna onde estão as suas cinzas e que repousa numa tranquila aldeia, algures na China. Se o conseguir fazer, a humanidade está tramada, porque o sacana quer transformar o nosso planeta numa espécie de campo de férias para mortos-vivos, zombies, vampiros, e toda a espécie de malandragem do além, especialmente aquela que gosta de se alimentar de nós. Os jogadores representam os monges taoístas que têm a difícil tarefa de mandar de volta para o além as dezenas de servidores que o Wu-Feng vai enviando para atormentar a aldeia, sobrevivendo o tempo suficiente para derrotar o manda-chuva em pessoa - que se digna fazer uma aparição, quando vê que as coisas não lhe estão a correr bem - garantindo o triunfo da liberdade, da democracia, dos direitos humanos e do aquecimento global.

Claro que a pergunta que todos vocês estão a fazer neste momento é: "monges taoístas? Como é que é suposto monges derrotarem fantasmas... rezando com muita força"?

Mas por isso é que eu perguntei se já tinham visto filmes de kung-fu! Qualquer pessoa que já tenha visto um sabe que os monges taoístas não se limitam a andar vestidos com lençóis coloridos, a rezar pelos cantos do templo! Não, isto é gente danada para a porrada, treinada nas várias artes do massacre e que não tem medo de espetar a tromba de um fantasma na ombreira de uma porta, ou de partir os caninos a um vampiro com uma cabeçada à cais do sodré (que, como toda a gente sabe, é com a nuca)! Este é o tipo de monges que tu queres ter do teu lado numa rixa de bar, numa luta de gangues, ou num confronto de claques!

Para além dos monges, a próprio povo da aldeia também sabe uns truques que vão poder ser usados pelos monges taoístas na sua difícil missão. E é uma aldeia bem freakazóide: tem monges budistas, estes sim, nada dados ao combate, mas disponíveis para oferecer estátuas do Buda que fazem mal à saúde dos fantasmas ; tem umas moças sobre cuja profissão eu não me vou debruçar, mas que permitem aos corajosos taoístas recuperarem forças para o combate e até ganhar uns acessórios que tornam mais fácil a exorcização da bicheza do além ; há um cemitério, onde se enterram os mortos (duh) e onde se pode ir ressuscitar algum taoísta que tenha sido apanhado distraído e tenha sido morto à traição ; há uma feiticeira que exorciza, ela própria, um fantasma à escolha, mas leva um ponto de vida em troca, porque, como toda a gente sabe, as feiticeiras não são de confiar... enfim, há muito por onde escolher em termos de auxílio aos taoístas.



A aldeia é construída com a partir de 9 tiles dispostas em quadrado aleatoriamente. Em cada face do quadrado colocam-se 4 tabuleiros com capacidade para receber 3 fantasmas cada um, de forma a que cada fantasma fique em frente a uma fila de 3 tiles da aldeia. Na sua jogada, um taoísta move-se uma casa e depois opta por pedir auxílio ao aldeão da casa onde se encontra ou, em alternativa, pode exorcizar o fantasma que estiver à sua frente, se houver algum.



A exorcização é feita através do lançamento de dados de faces coloridas a que se podem somar os efeitos de alguns aldeões, ou a utilização de uns tokens coloridos, chamados Tao tokens. Há sorte envolvida, naturalmente, embora se possa definir com bastante precisão o nível de risco que se quer correr em cada tentativa de exorcização.



Cada um dos 4 personagens também tem um poder especial, que é escolhido aleatoriamente antes do jogo começar, para maior variabilidade. Há um taoísta que voa, outro que lança mais um dado quando está a exorcizar, outro que tira Tao tokens à borla, etc.

O feeling

Este Ghost Stories caiu-me no goto! Nunca pensei gostar de um jogo cooperativo, porque a ideia de jogar cooperativamente sempre me pareceu... como dizê-lo? Parva! No entanto, tanto este como o Pandemic me levaram a concluir, como habitualmente, que o parvo sou eu! O jogo é como um puzzle, em que a situação se vai alterando a cada jogada. O que é giro neste Ghost Stories - e nisso, acho que o prefiro ao Pandemic - é que o puzzle não tem uma só solução e há um grande leque de ferramentas disponíveis para o resolver. É por isso fácil e normal estar toda a gente envolvida e a sugerir formas de resolver a crise que se vai instalando, jogada após jogada.

Este Ghost Stories é também um jogo bastante difícil! Eu só consegui ganhar no nível introdutório ao fim de 5 jogos e só ganhei no normal ao 8º jogo (joguei 11, até agora)... e ainda há 2 níveis de dificuldade acima de normal! Mas é também muito compensador, porque se sente na pele o progresso! Um gajo nota que está a aprender e a melhorar a coordenação e a eficiência da equipa, de jogo para jogo. Não há informação escondida, o que - contrariamente ao que eu esperava inicialmente - também contribui para que toda a gente esteja em volta da mesa a analisar a situação e a dar sugestões para a resolução dos problemas.

Um jogo deste Ghost Stories bem jogado é uma sucessão de planos a 2,3 ou 4 jogadas, envolvendo vários intérpretes, intercalados com soluções de emergência, para apagar um fogo urgente. É um jogo incrivelmente tenso, com a pressão a subir rapidamente jogada após jogada, à medida que os fantasmas vão entrando, até se chegar ao clímax final, com a chegada do Wu-Feng em pessoa. Gosto imenso deste arco, que consegue dar alguma história a cada jogo. Os dados fornecem aquela dose extra de frustração, quando a coisa corre mal, mas também aquele saborzinho extra, quando corre bem! Os momentos de lançamento de dados são normalmente momentos de silêncio absoluto e atento, seguidos de suspiros de alívio e gritos de alegria, ou de imprecações furiosas e esgares de dor, consoante o resultado do lançamento.

Os componentes são muito bons e bonitos, com o toque de classe a ser dado pelas estatuetas dos Budas e dos fantasmas voadores (parecidos com os infames Dementors do Harry Potter).



Muito recomendável, sem sombra de dúvida!

4 comentários:

Hugo Carvalho disse...

Este foi o primeiro cooperativo que fiz e gostei bastante. O jogo é desafiante e potencia vários caminhos para resolver uma determinada situação. Acontece que podemos estar 4 jogadores a jogar e três deles estarem de acordo numa jogada e de repente o jogador 4 aparecer com uma ideia totalmente diferente e melhor que deixa todos de boca aberta não só pela sua inteligência como pelo seu raciocínio rápido.
Existe muita conversa, o que não falta e conversa e isso é sempre de salutar. Claro que com o Zorg é um bocado difícil jogar a este tipo de jogos. Normalmente ou a ideia dele vinga ou então deixa o jogo e começa a atirar coisas da sala pela janela em sinal de descontentamento. Por outro lado o Spirale nos seus piores dias costuma estar a falar uma hora sobre uma determinada hipótese alargando a experiência de jogo para o triplo do normal.
Basicamente estes jogos são um óptimo divertimento desde que não se jogue com nenhum dos colaboradores deste blogue, a não ser, claro, que me convidem a mim que sou sensato quando trabalho em equipa.
Mas este Ghost Stories é bastante interessante. Tem muitos lançamentos de dados, mas não é o mais importante. Julgo que um planeamento bom acaba por vingar. Parece-me mesmo que ficar refém do resultado dos dados é uma consequência para os jogadores que não se dediquem de alma e coração ao jogo e ao que ele oferece.
Enquanto jogava, os combates deram-me uma sensação de Final Fantasy. Em que cada boneco tem a sua característica e o seu poder acumulado e que uma gestão dos pontos fortes de cada um e principalmente a ordem em que entra em acção é essencial para um bom resultado.
Ghost Stories é um puzzle que ainda tem a vantagem de poder ser jogado com apenas um jogador. Terá é de jogar pelas 4 personagens.
Como se ainda fosse pouco as expansões devem começar a aparecer trazendo com elas novas experiências e novos problemas.

Catenaccio disse...

Como estamos de novidades para 2009? Onde se podem acompanhar os lançamentos que se avizinham para o novo ano? Algum boardgame que aguardam com ansiedade?

Parabéns pela review, excelente como sempre.

Abraço.

Anónimo disse...

Duas palavras: Battlestar Gallactica.
;)

zorg disse...

Diz que isso demora muito tempo... e não é um verdadeiro jogo colaborativo, pois não? É mais um jogo de equipas.