17 setembro 2005

Crítica: Euphrat & Tigris

Há um nome que se distingue de todos os outros, quando se fala de jogos de tabuleiro "alemães" e que se tem assumido, desde 1992, ano em que foi lançado o clássico Modern Art, como uma espécie de génio maior entre os criadores, não só pela qualidade das suas criações (algumas delas autênticas obras primas, como o já mencionado Modern Art), mas também pela frequência com que as vai lançando no mercado. É, de longe, o criador de jogos de tabuleiro mais prolífico da actualidade e um que qualquer iniciado neste hobby se vai habituar a ouvir, depois a admirar e, finalmente, a idolatrar.



O seu nome é Reiner Knizia e o belissimo Euphrat & Tigris é - a acreditar em muitos dos seus admiradores - o seu opus major. Seja ou não a jóia mais valiosa na coroa do simpático e discreto, matemático alemão (e há mais pretendentes ao título: Taj Mahal, Ra e o próprio Modern Art são os mais óbvios) é, com toda a certeza, um dos melhores jogos de tabuleiro jamais desenhados, pela elegância, pelo equilibrio perfeito entre os vários mecanismos do jogo, pela forma como o jogo ilustra o tema e pela originalidade de todo o desenho. É sem sombra de dúvida um clássico e um daqueles jogos intemporais, que se pode jogar mil vezes e em todas elas descobrir algo de novo, de original e enriquecedor. No meu panteão pessoal, Euphrat & Tigris senta-se lado a lado com os clássicos aclamados, como o Xadrêz, ou o Go. E, melhor que tudo, pode ser jogado online aqui.

Mas vamos ao jogo!

A acção decorre na antiguidade, na zona do crescente fértil entre os rios Tigre e Eufrates, berço da civilização. Quando abrimos a caixa, deparamo-nos com uma miríade de peças interessantes, que abrem logo o apetite ao jogador mais céptico: 4 conjuntos de discos espessos, em madeira, representando os 4 líderes de cada um dos jogadores ; um número interminável de tiles em cartão, de 4 cores diferentes ; um número ainda mais interminável de pequenos cubos de madeira, também de 4 cores diferentes e, last but not least um magnifico tabuleiro, em cartão de boa qualidade, representando o mapa da região dividido em quadrículas, com os dois rios em grande destaque.



Não querendo entrar em grandes detalhes sobre as regras (para isso, podem fazer o download das regras em inglês aqui), posso adiantar que o objectivo do jogo é fazer pontos das 4 cores disponíveis, correspondentes aos 4 ramos da civilização: azul para o ramo agrícola, vermelho para o ramo religioso, verde para o ramo comercial e preto para o ramo político. E para fazer pontos de uma determinada cor, colocam-se tiles dessa cor, num reino que contenha um líder correspondente. Por exemplo, se colocar uma tile vermelha (um templo), num reino onde esteja o meu líder vermelho (sacerdote), recebo um ponto - adivinharam - vermelho. E o principio básico é este: os jogadores vão jogando tiles ou líderes e vão construindo reinos e somando pontos.



Há contudo dois factores importantes: os reinos, tal como as civilizações antigas, podem mudar de mãos, através de revoluções (no jogo chamam-se conflitos internos) e até arrasados, através de guerras (no jogo, os conflitos externos). Ou seja, ao longo de uma sessão de Euphrat & Tigris formar-se-ão muito reinos. Uns mudarão de mãos, outros serão destruídos e recomeçados do zero. Neste processo, o factor constante é que os jogadores irão acumulando pontos das 4 cores. Para além disto, os jogadores também podem construir monumentos imponentes que, uma vez construídos, permanecerão no mapa até ao fim do jogo. Estes zigurates também são de cores distintas e premeiam o jogador que os controla com pontos adicionais.

No final - e este é talvez um dos elementos mais inteligentes e reveladores do génio do mestre Knizia - a pontuação de cada jogador é a pontuação minima das que obteve em cada uma das 4 cores. Ou seja, os jogadores são impedidos de investir tudo num só ramo da civilização, desprezando os outros, obrigando a um saudável equilibrio, indispensável a qualquer reino que se preze.

Tudo isto se combina para uma experiência de jogo única, de grande dinamismo e fluídez, com reinos em constante transformação, crescendo, diminuindo e mudando de mãos ao sabor dos caprichos dos jogadores o que, de alguma forma, acaba por reflectir a realidade caótica das primeira civilizações, sujeitas aos humores de príncipes e sacerdotes nem sempre previsíveis ou sequer recomendáveis.

Em termos de dificuldade, este é um jogo pouco consensual. As regras são simples e em número reduzido, mas algumas delas parecem ser pouco intuitivas, o que pode tornar o primeiro jogo um pouco dificil de engrenar. No entanto, após 1 jogo completo, tudo se torna claro como água, as dificuldades desaparecem, como por magia, e tudo parece encaixar-se e fazer sentido.

Em termos de profundidade do jogo em si, há uma componente estratégica incontornável e uma componente táctica, se calhar, ainda maior. Para se jogar bem, tal como em tantos jogos deste autor, é preciso ter uma estratégia de longo prazo definida e, ao mesmo tempo, ter a flexibilidade necessária para poder aproveitar as oportunidades tácticas que vão surgindo. Há um factor aleatório não negligenciável, que pode afastar os mais puristas, para prejuízo deles (embora não seja, nem de perto nem de longe, um jogo dominado pela sorte: um bom jogador vence substancialmente mais jogos do que aqueles que perde).

Em resumo, tal como o Xadrez ou o Go, o Euphrat & Tigris é daqueles jogos cujas regras são fáceis de aprender, mas que exigem dedicação e muitas sessões no bucho, para que se consiga atingir um nível elevado.

Pode ser jogado com 2, 3 ou 4 jogadores e o jogo transforma-se em função disso, sendo mais estratégico e controlado a 2 e mais caótico e dificl de jogar a 4. Há quem prefira com 2, há quem prefira com 3 e há aqueles que, como eu, preferem com 4. É uma questão de gosto.

Em jeito de conclusão, devo dizer que este jogo está tão perto de um 10 perfeito, quanto é possível a um jogo estar, sem ter sido desenhado por mim ou que, pelo menos, não tenha a minha fotografia na capa. É elegante, é único, é possível jogá-lo uma vida inteira sem que se torne repetitivo, os componentes são de boa qualidade e até tem a vantagem de poder ser jogado com 2, 3 ou 4 jogadores de forma igualmente satisfatória. Está disponível na versão em inglês ou em alemão, embora o jogo seja completamente independente da linguagem, o que torna possível comprar a edição alemã e fazer download das regras em inglês do BGG. Compreendo que algumas pessoas possam ser afastadas pela natureza um pouco contra-natura de algumas regras (que são simples, apesar de tudo) e há também quem se queixe que o jogo é abstracto demais (embora eu não concorde). Seja como fôr, para quem fôr capaz de ultrapassar com sucesso o primeiro jogo, o céu é o limite e todos os euros investidos nesta pérola terão valido a pena.

4 comentários:

Skip disse...

Curto muito o "Tigris". Tive oportunidade de jogá-lo algumas vezes e sempre que o jogo adoto uma estratégia diferente e vejo os demais adotando estratégias diferentes. Muito interessantes. Creio não ser à toa que passou muito tempo em segundo lugar na classificação do BGG.

zorg disse...

Acho que ainda está em segundo, logo atrás do puerto rico. Mas este é uma preferência particular minha...no meu ranking pessoal, está bem lá em cima. :-)

Hugo Carvalho disse...

Este é um daqueles jogos que ando doido por jogar.
O problema é que estamos sempre a mandar vir jogos novos e acaba por não restar muito tempo para os jogos antigos.
Talvez um dia, um dos ilustres visitantes deste blog me convide...

Wagner disse...

Tigris & Euphrates está no meu Top 3, superado pelo Caylus e Puerto Rico... Perto destes 2, Tigris se mostra muito mais simples em termos de componentes, porém, esta simplicidade esconde um jogo muito bem elaborado... Desde a primeira vez que joguei, foi paixão à primeira vista, e olha que já joguei outros tantos jogos, e ele continua sólido... Muito bom jogo!!!