08 março 2007

Opinião: Struggle of Empires

Já aqui foi feita uma ligeira crítica a este jogo, mas senti, após jogar uma segunda vez, a necessidade de voltar a escrever sobre ele. É-me sinceramente difícil ficar indiferente a uma sessão deste assombro saído da mente do mestre Martin Wallace.
Da primeira vez que o experimentei, já lá vai um ano, confesso que fervilhei numa alegria inexplicável e profundamente infantil que percorreu a minha vida durante a semana seguinte. O momento também era propício, era o dia do 2º encontro de jogadores de tabuleiro organizado pelo Ricardo e quis o destino que aparecessem 6 pessoas. Não nos conhecíamos de lado nenhum e como o Struggle era o único jogo que dava para os seis, jogámos a esse. O resultado não podia ter sido melhor. Todos os envolvidos foram unânimes: Grande Jogo!
Agora, mais velho e com mais experiência nestas andanças, voltei a jogar e felizmente a ter o mesmo sentimento de satisfação quando abri a caixa e coloquei as tiles todas sobre a mesa. Aliás, esta minha boa disposição e este brilho nos olhos que me tem acompanhado diariamente tem vindo até a motivar alguns comentários, alguns deles bastante desagradáveis pois põem em causa a minha lealdade e sugerem, com escárnio, que a causa de tamanha boa disposição é o resultado dum envolvimento emocional extra-conjugal.
Mas não, a minha alegria vem toda de mais uma sessão de Struggle. Posso jogar por ano dezenas ou centenas de jogos mas é com Struggle of Empires que percebo a razão porque gosto tanto de jogos de tabuleiro. Parece um exagero mas não o é.
Parte deste contentamento já vem de longe. Remete para os anos de Risco. O Risco, apesar de tudo, é o jogo que mais joguei na minha vida e com quem tive mais afinidades. Deixei-o de jogar porque não é suficientemente bom para que sobreviva à idade e ao festim de lançamentos de dados. Mas foi a demanda por uma experiência igual aos anos do Risco que me fez aventurar neste mundo particular dos jogos.
Por isso, não foi de estranhar que, na minha primeira encomenda, mandasse vir Struggle Of Empires que, pelas imagens e pelas críticas, me pareceu ir buscar muito do que o Risco trouxe á minha vida de jovem inconsciente. Não me enganei.



Para começar, SoE é um épico de 5 horas. Não há volta a dar. Jogá-lo exige tempo e disposição. Não pode haver pressas, tudo tem de ser feito cuidadosamente, com calma e com os olhos ausentes de relógios. Quebrar esta regra implica estragar a experiência.
Um dos seus grandes atractivos é precisamente essa componente épica que está longe, no entanto, de se tornar enfadonha ou repetitiva.
O desenrolar do jogo é um processo que se entranha gradualmente no jogador. Este vai construindo sentimentos de raiva ou de amizade com os adversários e com a estrutura política do globo. Há uma história comum que se desenvolve a cada turno e a cada opção que se toma. Porque uma derrota humilhante tende a ser vingada na mesma região onde foi sofrida, usando para o efeito o jogador maior ou menor racionalidade. A determinada altura a honra torna-se uma condição bem mais importante que a vitória nos pontos, comemorando-se, deste modo, as vitórias com bastante pompa e entusiasmo.
Existem dados, o elemento sorte está presente, mas ao contrário do que se possa pensar, cada lançar de dados tem uma história por detrás, uma história de alianças, traições, dívidas antigas ou simplesmente o mau feitio como motivo. As guerras são caras, custam dinheiro difícil de obter e as derrotas ferem a população e a opinião pública, deixando o derrotado de rastos. Por isso só se olha a guerra de frente quando existe uma franca possibilidade de vitória. Normalmente os dados não estragam a certeza pelo que a sorte não é um factor determinante. Mas claro que existem surpresas.
O jogo é todo uma dança, uma dança que é feita aos pares onde existem cúmplices e culpados por todos os lados. Qualquer que seja o vencedor no final da partida, ele só é determinado com a ajuda dos adversários que, numa ou noutra situação o protegeram e lhe deram apoio militar suficiente para ganhar uma batalha e aumentar a sua influência.

SOE é um área control. Esse controle é conseguido através de batalhas. Cada derrota implica menos influência militar e política numa determinada região e cada vitória origina o inverso. As áreas estão divididas pelo globo. Africa, Índia, Indonésia, América e Europa central. Umas valem mais pontos, outras valem menos. É aqui que começa a dança. As potências vão dividindo as suas tropas, os seus barcos e os seus fortes pelo mundo à procura de pontos vitória ou então a defender os pontos que já obtiveram.
Como ser líder duma grande potência não é coisa fácil, Martin Wallace faz sentir os jogadores que por muito que tentem, vão cometer erros atrás de erros, fazer más jogadas atrás de más jogadas e a ter más opções atrás de más opções. Vão ser traídos, vão fazer maus arranjos políticos e terão mais cedo ou mais tarde a cabeça a prémio na opinião pública. Sim, porque Struggle of Empires penaliza as perdas em combate e também o endividamento externo. São os chamados pontos de descontentamento que serão contabilizados no fim. O Jogador que tiver mais subtrai à pontuação final uma penalização que poderá, no pior dos cenários, custar a vitória. Por outro lado se obtiver 20 pontos de descontentamento perderá o jogo. Não é um valor fácil de chegar, mas também não é difícil.

O grande atractivo deste jogo é o sistema de alianças. Nos três turnos do jogo existe um leilão em que os jogadores são arrumados em 2 alianças. Metade dos jogadores ficam dum lado e a outra metade fica do doutro (daí ser mais interessante jogar com o nº par). Para fazer parte dum ou outro lado da barricada é preciso pagar. Além de se estruturar os lados em conflito também se determina no leilão a ordem de jogo. Os valores por vezes atingem valores altos num jogo em que o dinheiro é um bem muito escasso.
A regra de ouro é que os jogadores não podem lutar contra os jogadores da própria aliança. No entanto podem luta ao seu lado nos combates que vão fazendo nas regiões. Quando a ajuda aparece, após pesadas negociações de troca de favores, os exércitos aliados juntam-se numa força multinacional. Em caso de vitória só o jogador activo é que beneficia com ela. Normalmente, o jogador passivo, quando passar a jogador activo receberá em troca a mesma ajuda. Os termos das alianças variam muito conforme as circunstâncias. Mas existe uma constante fase diplomática de troca de favores e esquemas que permitam uma posição mais confortável a uma aliança do que a outra. Aqui joga também o efeito psicológico. Pertencer a uma aliança traz sempre um sentimento de pertença e por muito calculista que um jogador seja, gosta que o seu lado vença.
Mas não se habitue o caro leitor a este ambiente de amizade e fraternidade. E que terminado o turno, é feito novo leilão e a estrutura das alianças pode-se alterar. Os aliados do turno anterior podem tornar-se inimigos no presente e o jogo dá um volte face do catano sendo novamente necessário novas conversações diplomáticas de forma a equilibrar as forças em conflito.
As regras apesar de não serem difíceis são maçudas de explicar. Demora algum tempo, mas faz tudo sentido. Aconselho vivamente a leitura das FAQ, que por sinal têm mais do quíntuplo das páginas que as regras oficiais (5 páginas). Mas é um jogo que só de olhar se percebe o básico.
Seja como for é um jogo de guerra e portanto as acções dos jogadores são o costume neste tipo de jogos. Pode-se fazer guerra, fazer movimentações, construir exércitos e ir buscar tiles (que dão vantagens variadas). Cada vez que o jogador joga, pode fazer 2 dessas acções, muito embora o jogador tenha a consciência que seriam precisas 10 acções para se sentir satisfeito. Pode-se compreender assim a dificuldade que é administrar tudo o que se passa no tabuleiro.
As batalhas são o costume. Contam-se os exércitos em contenda e somam-se o resultado dos dados. As batalhas estão divididas em 2 fases. Primeiro resolve-se a batalha marítima (se houver barcos na zona) e depois a terrestre. Os soldados para se deslocarem dumas zonas para as outras precisam de barcos, pelo que é necessário ter um bocado de tudo.



Struggle faz uma adaptação para o tabuleiro duma época (do século XIX aos princípios do XX) e fá-lo com extrema inteligência e sentido de oportunidade. Aqui estão representados parte dos efeitos perversos da revolução industrial, onde as potências vão criando cada vez mais um arsenal maior cujo objectivo passa mais por intimidar o adversário do que propriamente batalhar. O constante fazer e desfazer de alianças entre potencias, a colonização brutal e sanguinária, a mina do mercado de escravos, a opinião pública que ia tendo cada vez mais informação através da imprensa do que se passava no mundo, as guerrilhas de independência e muito, muito mais.
Para quem gosta dum bom jogo de guerra à moda antiga e para quem o tempo bem passado sentado à mesa com amigos é um luxo difícil de resistir, Struggle of Empires assume-se como um título indispensável e obrigatório. Não existe grande complexidade, a maior dificuldade surge nas poucas acções a que um jogador está submetido atendendo aquilo que quer fazer. Seja como for tem de ser jogado com mais de 4 jogadores para ser compensador.
Talvez tenha dado uma opinião bastante poética daquilo que o jogo é. Mas entenda-se que é o meu preferido e quando é jogado a 6 é como ir ao céu e voltar.


9 comentários:

Costa disse...

Parabéns Hugo! Mais uma fantástica "review". Fiquei com muita vontade de voltar a experimentar SoE.

zorg disse...

Eu não sou grande fã deste jogo, mas depois desta review, quase ficava convencido. :)

Mas depois comecei a lembrar-me do jogo... e a coisa começou a piar mais fino. :P

Azulantas disse...

Bem, agora preciso de ajuda. Estou muito interessado neste (SoE) e noutro (Imperial).

O desafio que vos deixo, a si, Exmo. Sr. Hugo, Advogado de Defesa do SoE, e a si, Exmo. Sr. Zorg, Advogado de defesa do Imperial, é que brevemente façam um comparativo entre os 2 jogos, salientando prós e contras.

Se quero um jogo de "Dominío do Globo", qual devo escolher: Imperial, Struggle of Empires ou ainda o no. 1 das wishlists em Leiria, War on Terror?

Hugo Carvalho disse...

Na minha opinião a coisa é mais simples do que parece.
Eu ainda não joguei a um jogo de Imperial como deve ser, ou seja com as regras certas.
Seja como for o que eu realmente antevejo é que o Struggle continuará a ser o meu jogo preferido e o Imperial irá aparecer logo a seguir.
Mas contrariamente ao que pensas, os jogos não têm nada a ver um com o outro :)
Uma das grandes diferenças é que enquanto o SoE ficas com um império para ti e jogas com ele para todo o jogo, no Imperial vais alternando consoante os teus interesses.
Outra das diferenças é que enquanto o SoE é um jogo militar, com porrada e sangue por todos os lados, o Imperial não é tanto assim. Quer dizer, tem porrada mas
o objectivo é acabares o jogo com mais dinheiro. Nesse sequência, o imperial é mais um jogo de investimento do que de guerra.
Depois é uma questão de jogadores. O SoE é um jogo que tem de ser jogado com 6 para brilhar e precisa das tais 5 horas.
O Imperial joga-se bem a 3, a 4 e a 5 e demora metade do tempo.
Se queres uma opinião sincera, compra os dois. Retratam a mesma época, mas são jogos e experiências completamente diferentes. Ambas muito valiosas.
Mas se queres um jogo de "dominio do mundo" escolhe o struggle porque o Imperial não se insere nessa definição, porque como te disse, o teu objectivo não é conquistares o globo, mas ganhares mais dinheiro que os adversários.

zorg disse...

Em relação à comparação Imperial vs Struggle, eu prefiro o Imperial, de caras, por um sem número de razões. Posso tentar descrever algumas, mas é muito dificl, porque eu acho o Imperial um dos grandes jogos que já tive o prazer de jogar, enquanto o Struggle me parece um jogo com algumas ideias muito boas, mas com defeitos sérios, que nunca vão permitir que se torne um clássico, nem nada que se pareça. Comparar os dois, é um bocado complicado, porque acho mesmo que pertencem a classes diferentes.

Acho o Imperial muito mais interessante no tipo de questões que coloca. Não me parece menos complexo que o struggle, em termos das decisões que tens de tomar a cada ronda, mas é muito mais limpo em termos regras (por exemplo, o struggle tem aqueles 350 tiles especiais para escolher no início de cada ronda, que eu acho uma opção de desenho muito pouco elegante). Também demora substancialmente menos tempo (os jogos de Imperial duram mais ou menos 3h, ou um pouco menos com jogadores mais experientes, independentemente do número de jogadores, enquanto no struggle aponta para mais ou menos 1h por jogador e, ao contrário do Imperial, perde bastante quando jogado com menos jogadores) e acho que o tema tem muito mais a ver com o jogo. Estás a investir em países e, de facto, os países recebem esse investimento (o dinheiro entra-lhes para o tesouro nacional) e aqueles onde mais se investe acabam mesmo por ser os que se desenvolvem mais.

Uma característica muito engraçada é que a negociação e diplomacia (que até é encorajada nas regras) acaba por acontecer naturalmente e os grupos de interesses formam-se espontaneamente, em função do que cada um investiu. Ou seja, também este aspecto é muito integrado e orgânico, graças às regras do jogo.
O Struggle, por outro lado, é um area majority e não um verdadeiro jogo de conquista. Ou seja, como em muitos area majority, o que interessa é ter a maioria da influência nas zonas chave, nas alturas de scoring. Para além disso, o mecanismo do leilão das alianças (que eu acho muito engraçado), permite que, de repente e de uma forma muito artificial, os equilíbrios se invertam literalmente e os aliados de ontem passem a ser inimigos de hoje. Apesar de, como já disse, este mecanismo ser engraçado em termos de jogabilidade, parece-me mais artificial e desfasado do tema. No struggle também há um factor sorte a considerar, que eu nem sequer acho excessivo, mas há quem se queixe. No Imperial não há sorte.

Resumindo: eu acho o Imperial um grande jogo, um clássico a todos os níveis. Tudo está integrado de forma muito limpa no motor do jogo que, por sua vez, modela de forma muito interessante a realidade que se propõe modelar. Em relação ao Struggle, acho que tem algumas ideias boas, como o leilão das alianças, mas estás mais distante do tema que procura retratar, demora demasiado tempo e é um jogo pouco elegante.

Mas claro que gostos são gostos e, em última análise, o que interessa mesmo é o prazer que cada um retira dos jogos. Eu retiro muito mais prazer do Imperial, mas admito perfeitamente que para outros seja diferente.

Em relação ao War on Terrorism, não me posso pronunciar, porque nunca joguei. Seja como for, parece-me um jogo mais descontraído e bem humorado, para ser jogado com outro tipo de disposição. Seja como for, tem recebido críticas surpreendentemente boas, por isso também despertou o meu interesse.

Azulantas disse...

Muito obrigado aos dois. O meu coração tem uma inclinação muito mais definida agora.

Abraços!

soledade disse...

Já tentámos uma vez jogar S Emp. e não foi fácil. O jogo é um bocadinho especial porque os recursos, como é hábito no Wallace, são mínimos. Mas o jogo pareceu muito interessante. Só não voltámos a ele porque entretanto falta quorum. Precisamos de 6 e somos sempre 5!!

Azulantas disse...

Acabei por comprar o Imperial. O meu coração sempre pendeu um pouquinho mais para ele. O Struggle parece-me demasiado "time consuming" para a minha realidade.

Hugo Carvalho disse...

Fizeste bem!