26 dezembro 2007

1960: a paixão carnal

Apaixonei-me pelo Twilight Struggle desde a primeira vez que o joguei!

Adorei o tema da guerra fria, o mapa com aquele aspecto anos 70, as caras dos líderes na Space Race Track, as referências ao Dr. Strangelove... era tudo perfeito! Quase chorei de alegria, quando li alguns dos eventos nas cartas e me apercebi da forma inteligente como tinham sido concebidos.

Não estarei a mentir se disser que foi amor à primeira vista, como o amor a sério tem de ser sempre!

Quando ouvi dizer que o Jason Mathews estava a desenvolver um novo jogo que utilizava o mesmo sistema básico, senti uma raiva a crescer-me nos dentes, como diz a canção. Como é que ele se atrevia a trair o Twilight Struggle desta maneira? Como é que se faz isto ao próprio filho, pensei?

Decidi imediatamente que não faria o mesmo! Seria fiel ao meu verdadeiro amor desse por onde desse!

Mas, à medida que o tempo foi passando e as críticas elogiosas foram aparecendo, começou a ser difícil não olhar. Ouvia vozes demoníacas a sussurrar-me ao ouvido. "Os componentes são muito bons", diziam, e eu não conseguia evitar pensar no humilde mapa de papel do Twilight Struggle. "O jogo tem momentum markers", cantava um demónio com voz de sereia, e eu não conseguia deixar de sentir pena por não existirem momentum markers no Twilight Struggle, apesar de não saber o que eram ou para que serviam. "O jogo tem menos sorte e joga-se em menos de 2 horas", disse-me Satanás em pessoa... e eu fui fraco e cedi à tentação, em vez de colocar o cilício e rezar 450 Avé Marias e 700 Pais Nossos, como se impunha!


Encomendei secretamente o 1960 e esperei pela sua chegada, sentindo-me sujo e desprezível. Não estou orgulhoso do que fiz e tenho perfeita consciência de que mereço ser castigado para toda a eternidade... como é que tive coragem de corromper algo tão belo e delicado como o nosso amor?

Mas encomendar o jogo ainda não era suficiente! Não, ébrio de paixão e cego pela libido, eu tinha de jogar aquela merda! Virei a caixa do Twilight Struggle para a parede para a poupar à minha traição e pequei! E depois pequei outra vez, e outra... um total de 5 vezes! 5 vezes! O peso da culpa esmaga-me os ombros com o peso de 10000 planetas! Sou um monstro!

Mas, depois da 5ª joga, caí em mim ao fumar um cigarro sentado à mesa, enquanto o jogo descansava, satisfeito: eu não tenho nada em comum com este jogo! Não partilhamos interesses comuns, não me surpreende todos os dias nem me faz rir.

"Tens de encarar a realidade", pensei, "o que te atrai aqui são os componentes! Isto não é amor... é uma espécie de atracção carnal doentia... é obra do demónio!"

E então olhei para a caixa do Twilight Struggle, modesta, silenciosa e orgulhosa e ainda virada para a parede... e fui-me abaixo! Ajoelhei-me à sua frente a chorar convulsivamente e a implorar por perdão.

Coloquei o meu amor em risco por este 1960... e o que penso dele agora?


Acho que tem componentes deslumbrantes, mas não acho que seja um jogo fora de série! A sorte desempenha um papel determinante - muito maior do que no Twilight Struggle - apesar de se manifestar só nas cartas e não haver dados. E isto porque o jogo não fornece aos jogadores mecanismos suficientes para lidar com ela. Não há Space Race onde se possa enterrar cartas prejudiciais, não há condicionalismos geopolíticos no mapa, que possam ser usados pelos jogadores para se livrarem de certos eventos prejudiciais e a gestão da mão de cartas é muito menos interessante, por tudo isto e, principalmente, porque não há reciclagem de cartas. Por exemplo, e ao contrário do que acontece no Twilight Struggle, planear para o aparecimento de um evento específico não faz grande sentido, porque há muito poucas hipóteses de ele vir a ser executado, num timing que faça sentido para o planeamento.

E ainda há a questão do Issue Track que, na minha opinião, é demasiado determinista. Eu ponho dois cubos lá, tu jogas a seguir e anulas os meus, eu jogo a seguir e anulo os teus... e isto pode prolongar-se por várias jogadas, onde o vencedor será o jogador com a melhor mão de cartas. E a Issue Track é importante o suficiente para que este tipo de disputa obsessiva possa fazer sentido. Acho que teria sido útil condicionar a colocação de cubos de alguma forma, talvez até usando um elemento aleatório qualquer.

Tudo isto não significa que eu ache o 1960 um mau jogo. Não acho. Só que não é, na minha opinião, um jogo extraordinário como o Twilight Struggle. E era isso que eu esperava que fosse, vindo de quem vem.

Nem sequer acho que seja um jogo quase extraordinário, que falhe por pouco o panteão dos deuses. Acho que é um jogo razoável, que não me custa jogar se alguém sugerir e que eu até posso sugerir ocasionalmente. Um 7 no BGG. Mas não me consigo imaginar nunca a jogar 1960, se tiver tempo para jogar Twilight Struggle... e a diferença entre os tempos de jogo não é assim tão grande como isso.

E tenho a certeza absoluta hoje que este 1960 não é bom a ponto de merecer que se arrisque o amor de uma vida, como eu fiz. Sei que não mereço, mas tudo o que peço agora é que o Twilight Struggle me perdoe por ter posto em causa o nosso amor...

11 comentários:

Bruno Valério disse...

Nunca joguei 1960 mas pelo que tenho lido não chega aos calcanhares do TS.

Hugo Carvalho disse...

Só joguei uma vez ao 1960 e pareceu-me um jogo bom.
Acho que o que trai este 1960 é a comparação com o TS, e isso é fatal porque sente-se uma certa frustração no ar.
Mas eu gosto das mecanicas do 1960. Acho-as bastante engenhosas e funcionais.
Mas o teu reparo à obecessão que existe entre os jogadores em anular as jogadas um do outro faz todo o sentido. Esse tipo de situação não acontece no TS, porque a utilização dos eventos altera toda a estrutura de dominios no mapa. Acho que o problema do 1960 é que tende a prolongar essa obcessão o que torna a experiência um pouco manca.
Seja como for é um jogo bom. Os componentes são magníficos e joga-se com bastante agrado.

Costa disse...

Ainda não o experimentei, mas estou com ganas...

Boa review :)

Bom ano a TODOS!!!

soledade disse...

Eu acho que as coisas, tanto no TS quanto no 1960, andam muito à volta dos gostos de cada um. Digo isto porque nenhum dos dois é mau, bem pelo contrário. Digo isto porque os defeitos para alguns são virtudes para outros. Eu sei que isto é coisa que se pode dizer de quase todos os jogos mas, lá está, estes dois sofrem de comparacionite, como diz o Hugo.

Eu prefiro o 1960 e gosto muito do TS mas compreendo bem que se prefira o TS ao 1960.

Bom ano 2008

zorg disse...

Sim, eu acho que nenhum dos dois é mau e consigo ver alguns méritos no 1960. Gosto particularmente do dia das eleições e da forma como tudo pode mudar de um momento para o outro, ou pelo menos como essa ilusão é criada pelo jogo. Também acho os eventos interessantes e gosto do facto de haver um candidato a passear pelo mapa em acções de campanha.

No entanto, não acho que seja um jogo muito bom. É um bocado repetitivo e pode tornar-se frustrante, se houver azar nas cartas que vão saindo.

Porque é que devo ser penalizado porque num jogo a carta que cancela todos aqueles eventos terríveis que o Nixon tem, sai no fim do jogo e portanto vai ser inútil? Ou porque é que devo ser beneficiado por, precisamente na jogada em que tenho uma mão cheia de eventos do adversário e ele tem Momentum Markers suficientes para os activar, me sai a carta que o impede de gastar momentum markers?

Em nenhuma das duas situações eu fiz alguma coisa que contribuisse para isso, ou sequer pude planear para essa eventualidade (porque não há reciclagem de cartas)... é tudo uma questão de sorte ou azar.

Por oposição, no TS o jogador sabe que determinados eventos vão ser jogados, seja por ele, ou pelo adversário e pode planear para isso. Por exemplo, raramente meto influência em França quando estou a jogar com os EUA antes de sair o "De Gaulle leads France" (que retira influência aos EUA em Franla). E eu sei que o De Gaulle leads France vai sair quase de certeza no Early war e é por isso que posso planear para esse evento.
E quem diz o De Gaulle leads France, diz muitos outros!

É este tipo de considerações que sinto falta no 1960. Não me importo de jogar se alguém pedir e eventualmente até posso sugerir, mas não tenho a certeza se não fará sentido vender a minha cópia. Ainda vou pensar nisso. O que tenho a certeza é que se tiver tempo para jogar TS, nunca na vida optarei por jogar 1960.

Ainda para mais, o TS é "só" dos meus jogos preferidos de todos os tempos e eu sinceramente esperava mais deste 1960. Se calhar essa desilusão também me está a fazer ser duro de mais. :)

Unknown disse...

Tou contigo, gosto muito do 1960 é sem dúvida um bom jogo, mas o Ts é bastante superior. O 1960 consegue ser mais leve e joga-se em menos tempo, talvez até seja mais divertido. Está mais eurosado que o TS, os componentes são muito bons e a utilização dos momentum markers para cancelar ou jogar o evento é uma ideia que me agrada bastante. Mas o TS é mais desafiante e bastante mais dificil. É um gamers game.

Azulantas disse...

Bem, eu que ainda não joguei o 1960 e mal joguei o TS por falta de adversários interessados não posso fazer comparação alguma.

Posso, no entanto, dizer que o meu cunhado está tão apaixonado pelo 1960 como eu estou pelo TS e por isso acabei por lhe oferecer o 1960 agora pelo Natal.

Por mim, quedei-me por comprar 4 jogos da GMT (Combat Commander: Europe, Here I Stand, Paths of Glory e Europe Engulfed) que me custaram mais nos portes do que nos próprios jogos, porque tenho quase a certeza absoluta, baseada na experiência que tenho dos jogos da GMT, que vou ser deslumbrado pela qualidade pura, se não dos componentes, do jogo (leia-se sistema, regras, etc) em si.

Quero experimentar o 1960, mas estou com um feeling que vou ter essa mesma sensação de comparacionite aguda em relação ao TS.

Unknown disse...

Então e que tal vires até à bela localidade de Alverca City para testarmos essa cena entre outras de uma vez por todas?

zorg disse...

>Bem, eu que ainda não joguei o 1960 e mal joguei o TS por falta de adversários interessados
-
Eu tinha o mesmo problema, mas agora arranjei um gajo ideal para este tipo de jogs. Sim Luís, estou a falar de ti.

Já jogámos TS várias vezes (o último jogo foi memorável, com uma vitória da URSS dele por 1 ponto, na última jogada) e estou já a planear espetar-lhe com outras coisa do género na tromba, assim que houve oportunidade. Tenho lá o Rommel in the desert, o Paths of Glory, o Combat Commander: Europe e o Hannibal: Rome vs Carthague todos ansiosos, à espera... :)

Curiosamente, ou talvez não, já joguei 1960 com esse mesmo rapazola e ele também não ficou muito entusiasmado. Achou piada e tal, mas quer sempre jogar é TS...

Azulantas disse...

Há gajos com sorte! ;-D

Em princípio sou capaz de vir a arranjar um ou dois compinchas para levar ao DEFCON 4. Vamos lá ver como é que 2008 se desenrola.

Anónimo disse...

Estou emocionado com a referência feita à minha pessoa!!! Deixando a semoções de lado:

Estou como o Zorg, desde que vi o TS que foi amor à primeira vista!!! Apesar da primeira vez em que jogamos, não termos acabado o jogo (terminou com um "suicidio"...) e de termos feito algumas asneiras em termos de regras, achei logo que estava ali uma bomba!!!! Passado uns tempos, o Zorg falou do 1960: "Ah e tal, tenho um jogo novo, de um dos gajos do TS, sobre as eleições americanas...", e eu: "Epá, temos que experimentar isso, então!!!"... Resultado, como o Zorg disse, ah e tal, é engraçado, mas o TS é que é!!!!!!!

Quanto a sessões dos outros jogos, é quando quiseres! Já me tinhas falado do Paths Of Glory e fiquei extremamente interessado!!!

P.S.- Depois da memorável vitória da URSS no último TS, e de ter dado cabo de toda a ordem mundial, tenho que experimentar jogar com o outro lado da barricada...