17 agosto 2006

Crítica: Himalaya

O que começou por ser um caso isolado transformou-se, felizmente, em mania e cá estou eu, novamente, a apresentar um texto dum leitor que teve a amabilidade de escrever aqui para o blog uma crítica sobre um jogo que tem tido vários comentários favoráveis entre todos aqueles que o jogaram.
O jogo é o Himalaya e o autor da crítica que se segue é o distinto colaborador do Obatijolo, Achilles Chirol.
Aqui segue a sua justiça com um leve sabor sul americano que só fica bem neste espaço que faz um ano este mês e que se vai, aos poucos, internacionalizando.
Já agora a palavra comandas várias vezes referida pelo Chirol significa, presumo, ordens, que no contexto do jogo, parece-me, poderá querer dizer ordens duma determinada cidade para as necessidades que tem.


Contexto:
Um dia o autor Régis Bonnessée disponibilizou na internet o jogo chamado Merchands d’Empire. As pessoas podiam baixar as regras, as cartas, o tabuleiro e jogar tranquilamente só gastando a tinta da impressora e papel. Era um jogo sobre comércio que se passava num império fictício, no qual os jogadores deveriam coletar e trocar mercadorias em diferentes cidades. O jogo fez um certo sucesso (segundo o rei dos jogos de cartas semi-caóticos, o Bruno Faidutti) e a Tilsit resolveu ganhar alguns trocados e editar, simplificando algumas regras, mudando a temática e introduzindo umas poucas regras avançadas. Surgiu assim Himalaya, que acabou concorrendo ao Spiel de Jahres de 2005.No jogo você comanda uma tribo de mercadores no alto Himalaia (existe um baixo Himalaia?) que quer expandir a sua influência por toda a região, tanto no campo religioso, como no político e econômico. Esta expansão ocorre a partir das relações comerciais que são feitas entre as diferentes vilas, com você e os seus iaques transportando mercadorias de uma para atender as demandas de outra. Não parece muito excitante, e já tem um certo sabor de deja vu, mas tem dois mecanismos que fazem toda a diferença: a escolha simultânea das ações e o processo de eliminação para ver quem venceu. Estas duas peculiaridades fazem com que uma das coisas mais ouvidas durante o jogo seja “Seu patife! Você fez comércio na minha frente!! O que eu faço agora?? Buá!!!” . Mas logo todos querem jogar de novo. E de novo!



Componentes:
O jogo vem com um tabuleiro, onde está localizada a área que as caravanas percorrerão, com as cidades (20 no total), estradas e regiões (8 no total), e com um calendário que indica a rodada em que se está (o jogo tem 12 no total). Bem claro e funcional.Já as peças do jogo são muito boas! As cores fogem um pouco do tradicional, e o design das peças é bem bacana. Os recursos são representados pelos famosos cubinhos de madeira, e vem em cinco cores: branco (que representa o sal), laranja (cevada), preto (chá), verde (jade) e amarelo (ouro). Existem tiles de comandas, de ações, de iaques e de “eventos”, que também são bem feitos e bem claros nos significados. O jogo tem um visual bem “limpo”, sem peças com significado confuso e sem poluição visual. E ainda vem armações de papelão, que servem para esconder os seus recursos e planejar os seus movimentos em segredo.Como se joga:No início do jogo, das 20 vilas do tabuleiro, cinco são sorteadas para se colocar recursos, e cinco para comandas. À medida que estas ficam sem recursos ou comandas, há novo sorteio e reposição, de modo que sempre existem cinco vilas com recursos e cinco com comandas. As vilas são conectadas por estradas que podem ser de terra, de gelo ou pedra.A fase seguinte consiste no planejamento e execução das ações. O planejamento é secreto e simultâneo, e determina a movimentação (que tipo de estrada se vai passar) e as transações que serão feitas pelos jogadores. Cada um tem direito a seis movimentos, incluindo pausas. Após as ações, passa a rodada e muda o jogador que começa a jogada.Comerciar com uma cidade consiste em retirar o produto de menor valor ou então completar uma comanda. Esta última opção obriga o jogador a escolher duas das três opções a seguir: ficar com os iaques da comanda (que valem no aspecto econômico), construir um minarete na vila (que dá pontos religiosos) ou então colocar delegações nas regiões do tabuleiro (pontos políticos). As comandas tem valores fixos, enquanto os pontos religiosos e políticos dependem diretamente do tamanho da vila, e apenas um monumento religioso pode ser construído por cidade.Além dos pontos econômicos pelas comandas, a cada quatro rodadas é feito um censo, e quem tiver mais de um determinado recurso leva três iaques de presente. Existem regras avançadas que tornam o jogo um pouco mais estratégico, adicionando alguns tiles de eventos que afetam os jogadores, e que são bem interessantes.As formas de apontar o vencedor variam de acordo com o número de jogadores. Com três ganha aquele que obtiver maior pontuação em dois dos três aspectos do jogo. Com quatro jogadores, primeiro é eliminado o jogador com menor influência religiosa, depois aquele com menor política, e ganha quem tiver maior pontuação na área econômica. Assim o jogo de três exige uma especialização e o jogo com quatro uma diversificação.



Conclusão:
O jogo é simples (coletar recursos e completar comandas), mas a programação simultânea faz com que seja preciso “adivinhar” o que o adversário que joga antes vai fazer, senão pode se ter uma rodada inteira perdida! E muitas vezes isso pode arruinar o seu jogo, trazendo uma boa dose de adrenalina. As interações entre os jogadores são inúmeras, com gritos de “Não!!! Por aí não seu @#$*&!!!” a todo o momento, tanto na briga por recursos como por comandas. Planejar sem erros também é importante, e para exemplificar posso contar o caso de um jogador que estava com a caravana vermelha que armou um planejamento perfeito para uma super jogada, mas pena que ele planejou pensando que estava com a caravana roxa. Mas depois de alguns jogos este tipo de erro praticamente some, mas ainda sim é preciso cuidado.Os sorteios dos recursos e comandas adicionam aleatoriedade ao jogo, e faz com que seja muito difícil o jogador chegar com estratégias pré-definidas. Ele precisa se adaptar às circunstâncias, e é obrigado a tomar decisões importantes a cada rodada. Isso faz com que cada jogo seja bem diferente, com dinâmicas bem distintas e cada momento de planejamento das ações é muito tenso. E ainda existe o censo que não pode premiar o jogador com iaques valiosos! É um jogo de mecânica simples, mas de decisões muito complicadas. E com estratégias completamente diferente para três e quatro jogadores.Todas estas características do jogo fazem com que ele seja um jogo denso, mas não pesado, que agrada tanto a jogadores que gostam de jogos mais complexos como jogadores que preferem coisas mais leves. Não cansa e dura apenas cerca de 1 hora!! Desconfio que esta foi a minha melhor compra pelo meu tour recente na Europa (e olha que eu ainda comprei Puerto Rico e Saint Petersburg, meus dois maiores vícios no BSW). Mal posso esperar pela expansão que encomendei e deve chegar em breve. Posso não ser o maior especialista em jogos de tabuleiros nem de Portugal, do Brasil e muito menos do planeta (quem dirá da galáxia?), mas recomendo a todos o joguinho!!

Achilles Chirol

5 comentários:

soledade disse...

Chirol, gostei muito da crítica. Como já li algures, o facto de não se conseguir prever muito bem a longo termo a estratégia a adoptar, faz lembrar um pouco o Caylus. Temos de nos adiantar sempre àquilo que o adversário vai fazer. A vantagem sobre este é, claramente, o tempo de jogo.
Fiquei com muita curiosidade de experimentar o jogo.
Também tenho boas experiências com jogos da Tilsit (Richard Coeur de Lion) e acho que, em termos de produção, são excelentes compras.
Parabéns
Paulo

missbutcher disse...

Aê, Chirol!
Bom, disse tudo. Himalaya está no meu top 10... top 5!

Rafael Mantovani disse...

êe

muito bom ler o texto do chirol publicado aqui do outro lado do oceano! Eu joguei o Himalaya e atesto que é mesmo muito divertido.

Dimitri BR disse...

o Himalaya é um jogo MUITO bom.

elegante, simples, com muita interação entre os jogadores.

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agora, sem dúvida, é mesmo mais tático que estratégico.

ou seja: tanto devido à necessidade de se prever as ações dos demais, quanto à aleatoriedade do surgimento de novos produtos/comandas (um d20 seguido do sorteio de peças numa sacola não é pouco aleatório!), o jogador é forçado a adaptar sua estratégia às disponibilidades, turno a turno.

isso poderia desestimular alguns planejadores de longo prazo, amantes não só de wargames, mas mesmo de outros jogos nos quais a sazonalidade não é tão acentuada (como o Puerto Rico ou o Amun-Re).

já a mim, que prezo muito as qualidades acima atestadas (mecanismo simples e interessante, interação, etc.), e além disso não tenho paciência de enxadrista para ficar planejando 50 turnos adiante, o Himalaya agrada muito.

mesmo sendo eu a tal besta que certa vez planejou o turno para a caravana errada.

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e ficam as perguntas:

- existe um "baixo Himalaya"?

- "o jogo vem com um tabuleiro", Chirol? interessante...

:P

zorg disse...

Cheguei agora de férias e fiquei maravilhado com esta review! :)
Vou já começar a trabalhar no session report do jogo onde fomos trucidados pela marisa... :P