17 maio 2007

Crítica: Wings of War

Quando era mais novo e andava na escola secundária, tinha uma disciplina chamada trabalhos oficinais que eu detestava mas que era descrita por todos os pedagogos do país como sendo de extrema importância para a formação de qualquer aluno, especialmente se o mesmo não tivesse pêlos no peito e nas axilas.
Como o nome indicava, fomentava-se nas aulas o desenvolvimento de técnicas que iriam transformar rapazes de tenra idade em machos viris capazes de construir, sem problemas e apenas utilizando um martelo e uma lima, todo o tipo de coisas em casa.
Tal como hoje acontece amiúde, era frequente os meus projectos acabarem no mais profundo falhanço, tendo eu que, em desespero de causa, ir às gavetas das outras turmas roubar algum colega mais distraído para poder ter, pelo menos, uma nota positiva no final do período.
Durante a conturbada passagem da infância para a juventude as minha aptidões de larápio foram sendo desenvolvidas em virtude dos trabalhos oficinais, contando eu no espólio lá de casa, pisa papeis em forma de cavalo, circuitos eléctricos, bolsas de malha, ancinhos, leões e cinzeiros em barro.
A minha mãe sempre achou que eu tinha futuro em coisas que exigissem a habilidade e perseverança dum artesão, não sabendo a proveniência do material que mostrava a colegas e amigas com o entusiasmo vibrante dum tradicional amor de mãe.
- Já viste isto que o meu Hugo fez na escola?
- O teu filho tem cá um jeitão...
Uma das áreas que os trabalhos oficinais abrangiam era o trabalho com madeira. E aí sim, munido duma inspiração que até hoje me surpreende, este vosso escriba construiu de raiz um avião da 1ª Guerra Mundial que surpreendeu tudo e todos pela beleza e pelas apuradas técnicas de construção.
Mas como Deus não dorme e acaba por ser um tipo capaz de usar a ironia para com o rebanho nos momentos menos oportunos, fez que alguém, num acto de profunda e gratuita selvajaria, arrombasse a gaveta dos trabalhos da minha turma e furtasse o melhor trabalho disponível que, atendendo ao que estava disponível, não podia deixar de ser o meu Nieuport 17 que me deu tanto trabalho e tanta emoção a limar.


Esquecida pelo tempo a lembrança deste episódio que marcou para sempre a minha formação moral, os aviões da 1ª Guerra Mundial voltaram agora a aparecer à minha frente e logo às dezenas, fruto do jogo Wings of War do simpático italiano Andrea Angiolino publicado em 2004 pela toda poderosa Fantasy Flight.
Ao abrir a caixa sentimos que existe qualquer coisa de diferente. E a razão não é para menos. Ao contrário do que seria de esperar dum jogo da Fantasy Flight, desta vez não existe uma única miniatura para brincar e pintar. Ao invés, temos dezenas e dezenas de cartas, sendo as principais, como está bom de adivinhar, as que contêm desenhos de aviões que tiveram o seu tempo áureo na primeira década do século passado, altura em rasgavam o céu a toda a velocidade como relâmpagos incandescentes.
Podemos pois encontrar vários modelos conhecidos. Desde Spad XIII francês ao Albatroz passando pelo Folker e acabando no Spotwith Triplane inglês. Estes são os modelos que integram a primeira caixa, mas com as várias expansões que já saíram para o mercado, todos os aviões que estiveram envolvidos no conflito dão o ar da sua graça. Além disso, os aviões têm a informação do piloto que os pilotava, como as cores que adoptavam no ar. Existe uma saudável relação de pertença. Podemos assim, em qualquer conversa ocasional de café com amigos ou colegas, mostrar a nossa sapiência ao informar que a cor do Fokker D VII do Tenente alemão Sachsenberg era amarela.
Para efeitos de desbloqueador de conversa é muito mais eficaz que os modelos que são usados actualmente.
Devido a isto, Wings of War assume-se, além dum jogo, também como uma colecção de cartas para aqueles que gostam de ter tudo sobre este particular momento da história do mundo e do homem.
Um mimo para os fanáticos da aviação e também para os curiosos.


A ideia por detrás da mecânica do jogo está devidamente expressa na foto anterior. Facilmente olhando para ela podemos perceber como tudo funciona.
Cada avião tem aderente a ele um maço de cartas de movimento ou de manobras. Consoante as características do avião assim será o deck de manobras destinado ao jogador. Existem aviões melhores e piores sendo essa distinção marcada pela maior ou menor quantidade de cartas de movimento disponíveis. Os aviões fazem curvas mais largas ou menos largas, mais apertadas ou menos apertadas, percorrem distâncias maiores ou menores e mais umas quantas habilidades que lhes podem dar vantagens significativas em combate.
Mas claro que isto é só teoria, porque o que conta mesmo é a habilidade do jogador para pilotar a maquina. E é precisamente aqui que reside todo o encanto de Wings of War. O que está em jogo e o que se pede ao jogador é que com o seu avião consiga fazer movimentos que por um lado consigam fugir à mira dos aviões adversários e, por outro, consigam colocá-lo numa posição em que consiga abater o inimigo sem que sofra rajadas dele. Toda esta situação tem de ser resolvida pela capacidade de antecipação do piloto e também pelo conhecimento das capacidades dos aviões. O jogador na sua vez de jogar coloca em cima da mesa as suas 3 manobras seguintes não as podendo alterar. Tem por isso de tentar perceber o que os inimigos vão fazer para se defender e colocar-se em vantagem.
No calor da batalha, os aviões sofrem rajadas inimigas quando estão no raio de disparo dos outros aviões. Quando isso acontece o jogador terá de retirar uma ou duas cartas de dano (consoante a distancia da metralhadora inimiga). Essas cartas de dano têm o valor do dano que pode ir de 0 a 5 e por vezes adicionam danos adicionais no avião, como a impossibilidade de virar à direita ou esquerda, de disparar ou então a explosão do aparelho pela rajada ter atingido o tanque de gasolina. Normalmente os aviões permitem sofrer dano de 13 a 16, pelo que até caírem conseguem aguentar umas 5 rajadas.
Muita gente acusa o jogo de ter demasiada sorte neste aspecto, mas eu não acho uma ideia válida. A sorte faz parte da vida e tem o poder de se manifestar duma forma funesta nos campos de batalha. Pode-se disparar 50 tiros contra um avião e não fazer qualquer estrago e pode-se, da mesma maneira, disparar um tiro solitário e matar instantaneamente o piloto ou acertar no tanque de gasolina e o avião explodir. Não me chateia absolutamente nada haver cartas de 5 danos e outras de 0. A verdade é que se o piloto for bom consegue escapar aos tiros dos inimigos e portanto é indiferente o valor das cartas.


Com as expansões que existem no mercado tudo é permitido e a panóplia de material acaba por puxar pela imaginação dos jogadores para construir cenários de guerra complexos e desafiantes para quem sobe para os aviões. Deste modo existem balões estáticos que servem como objectivos, temos anti-aereas que não dão hipóteses quando acertam em cheio nos aviões, temos trincheiras com homens que disparam para cima e também aviões que podem levar um segundo tripulante que dispara para trás, aumentando assim o poder de fogo do avião. Ao mesmo tempo também existem vários tipos de armas que os aparelhos podem levar consigo para as missões podendo ser as mesmas mais ou menos mortíferas.
É uma questão de usar a imaginação e o material. A ideia é que o número de jogadores pode ser ilimitado (o recorde do mundo está numa batalha com 25 pessoas) e os esquadrões podem ter uma mistura de tipos de aviões, podem ser equipados com vários tipos de armas, podemos até fazer-se deathmatch em que jogam todos contra todos e sei lá que mais. Por outro lado os jogos em equipa acrescentam uma dimensão mais estratégica em que os movimentos dos aviões terão de estar minimamente em sintonia para terem alguma vantagem sobre os opositores.


Como se vê existem dezenas de motivos para ter este Wings of War na colecção. É um jogo duma simplicidade infantil mas brutalmente eficaz para o objectivo a que se propõe. Faz-me lembrar um pouco o Formula Dé. Apesar de não ser um jogo bem cotado no BGG, tem vindo a cativar os jogadores e já existe mesmo uma legião de fãs que se juntam e jogam repetidamente, comprando tudo o que sai para o mercado.
Por falar nisso vão agora sair as miniaturas dos aviões que podem ser compradas a 10 dólares a unidade com a feliz notícia de já virem pintadas. Por outro lado o franchising vai agora abranger a 2ª guerra mundial com um sistema de jogo um pouco modificado e também com muitas ideias novas onde, a fazer fé nas palavras do simpático autor, terá uma nova variante: a velocidade.
Também em Portugal os entusiastas do jogo começam a aparecer e já começaram negociações para que Lisboa tenha a sua mega batalha também. A ideia de juntar dezenas de jogadores para uma sessão de Wings of War num dos próximos encontros de boardgamers. Precisamos apenas dum empurrão do Ricardo Madeira e do Manuel Pombeiro e pronto, lá vamos nós!

Pontos Positivos:
Tributo muito bem feito a todos os heróis da 1ª guerra mundial que estiveram nos céus da Europa.
Jogo muito simples, descontraído e genuinamente divertido.
Abrange uma quantidade de opções de jogo que dependem da imaginação do jogador, incluindo variantes para 1 jogador.
Há sempre vontade para mais uma batalha.

Pontos Negativos:
Quem não gosta de aviões e de jogos com contornos infantis pode não achar piada nenhuma ao que o jogo se propõe.

9 comentários:

soledade disse...

Muito boa review. Eu também me sentia assim nas aulas de T Oficinais. Ainda por cima porque não tinha gaveta de onde roubar coisas decentes. Calhou-me - sim, porque não me deram a escolher - uma coisa que se chamava Texteis. Ora, imagina, tapetes de arraiolos e coisas em ponto cruz e meio ponto e ... enfim. Tive 1. Mas um 1 honrado e digno de gajo macho que se recusava a fazer menos que um cavalo ou um cinzeiro em madeira.

Depois disso veio o modelismo. Passei por um F14, um Thunderbolt e os mágicos Masserschmidt e Spitfire. Bom, se o Wings of War trouxer esta WWII pode ser interessante. Mas com as miniaturas! Claro que também se pode esperar a exploração do filão e contamos, daqui a tempos, com os tais F14 e um Goose a gritar para ser salvo, antes de fotografar um Mig 28 de cabeça pró ar... Mas isso são outros tantos.

Voltando ao jogo. Se os temas evoluirem para outras guerras, nomeadamente a WWII, com miniaturas, quem sabe, pela curiosidade, eu não experimente. Porque o jogo não me parece grandes coisas se lhe tirarmos o efeito "aviões que nós gostamos". Ou não é assim?

Paulo

zorg disse...

Eu não sou grande fã de aviões da primeira guerra mundial (e, quando era mais novo, era fanático por aviões da segunda) e acho que o wings of war é uma ideia muito bem sacada!

Para já, há o jogo simples, em que cada um escolhe um avião, delimita-se uma área de jogo, usa-se o set de regras simples e pronto e é só fazer dogfight. Só por isto, o jogo já valeria a pena, pois o sistema com as cartas de manobra é muito engraçado. Compras o WoW: Famous Aces e já podes jogar este jogo básico com 2,3 ou 4 jogadores.


No entanto, o jogo não acaba aqui, pois há uma série de componentes e uma série de regras opcionais (a regra da altitude será a mais importante) que vêm com o WoW: Burning Drachens, que permitem recriar um sem número de cenários (alguns vêm nas regras, outros são feitos pelos fãs) que envolvem ataques a balões, trincheiras, anti-aéreas, etc e dão uma dimensão completamente diferente ao jogo.

E o melhor de tudo, é que podes combinar os sets. Eu, por exemplo, tenho o Burning Drachens (o que o Hugo jogou) e vou comprar o Watch your back, para poder usar os aviões double seater e para poder jogar de 1 até 6 jogadores.

E digo-te já que este é daqueles jogos que jogado com muita gente, deve ser fabuloso!

Eu acho que vale muito a pena!

Hugo Carvalho disse...

Sim, vai evoluir para a segunda guerra já este ano. O que provavelmente terá mais interesse porque muitos de nós somos do tempo da mítica colecção das pastilhas gorila de avioes da segunda guerra mundial.
Seja como for o jogo também é barato e vale o preço porque é muito giro jogar. Não é nada que te leve a pensar nem é nada profundo, digamos que é apenas muito divertido qualquer que seja a circunstancias em que o jogues.

zorg disse...

Concordo com o Hugo que o jogo é levezinho e pouco exigente do ponto de vista intelectual... se estiveres a fazer dogfights, com as regras mais simples.

No entanto, acho que se usares as regras de altitude e jogares em cenários complexos, podes acrescentar uma dose considerável de complexidade ao jogo. Esta modularidade de regras e componentes é uma excelente (e pouco comum) característica do wings of war.

Bruno Valério disse...

Já eu era texteis como as meninas e mecanotécnia para adolescentes de barba rija :D ali a forjar o ferro e dobrar o aço.

Quanto ao jogo parece-me engraçado e é um daqueles que sempre me despertou curiosidade...

Em relação ás pastilhas gorila cheguei a ter paletes de papelinhos com os abiões... eram mais que as mães.

Azulantas disse...

Pois eu sempre achei que os aviões da primeira guerra mundial têm muito mais charme do que os da segunda essencialmente porque são o corolário da invenção do avião, dos tempos loucos dos irmãos Bleriot etc.

Aviões da 2a guerra já eram mais armas do que outra coisa.

Quanto ao jogo andei mais que tempos à procura da versão original (Famous Aces) mas nunca encontrei - possivelmente esgotou. Acabei por comprar o Burning Drachens, mas tal como o Zorg tenho a certeza que vou acabar por comprar as principais expansões.

Quando aos trabalhos oficinais, sou cá dos vossos. Barro, Madeira, texteis, etc. Nunca fiz uma peça de jeito. Por outro lado tinha algum jeito para o desenho e ia-me safando porque os professores de uma disciplina eram os mesmos.

Os aviões das pastilhas Gorila encheram as minhas gavetas mais a pasta da escola. Granda colecção! Pena é que era interminável. Pessoalmente nunca conheci ninguém que tivesse completado a colecção.

E vocês?

zorg disse...

Durante algum tempo tanto o Famous Aces como o Watch your back estiveram esgotados. Agora já é fácil encontrá-los nos sítios do costume.

Se tens o Burning Drachens, acho que o Watch your back é a melhor aposta para expansão. Eu vou comprar, porque quero poder jogar isto com mais do que 2 jogadores e quero poder usar os 2-seaters. Um duelo a 4 ou a 6 deve ser uma coisa memorável. :)

Unknown disse...

Por favor, alguém teria as regras do Wing of War II traduzido para o português?

Hugo Carvalho disse...

Caro Marcos, o jogo já foi traduzido para portugues. Nada como contactar os distribuidores www.runadrake.com

um abraço