26 fevereiro 2006

Crítica: Caylus

O Caylus foi a grande revelação de Essen, deste ano. O jogo já era aguardado com grande antecipação, devido aos comentários muito favoráveis que tinha conseguído vindos de alguns dos grandes sobas do mundo dos jogos de tabuleiro e pode-se dizer que, se à entrada para Essen era um jogo "quente", à saída era magma escaldante!

A sua ascensão no ranking do BGG foi meteórica e ocupa, neste momento, um espantoso 2º lugar, atrás do intocável Puerto Rico, mas à frente de pesos-pesados como o Tigris & Eufrates, Princes of Florence ou o El Grande! E isto apesar de ser produto de um autor desconhecido até aqui (o William Attia) e ser apenas o segundo jogo a ser editado pela sua editora, a simpática Ystari.

Tudo isto é muito bonito, mas a pergunta que qualquer gamer sensato fará é: mas presta para alguma coisa?

E a resposta é um clarissimo e sonoro: sim! Para se ter uma ideia, a comparação mais frequente que tem sido feita é "apenas" com o Puerto Rico que, para quem não sabe, tem sido o holy graal dos jogos, nos últimos anos. Há até alguns hereges que ousam afirmar o impensável, ou seja que o Caylus é melhor do que a obra prima do Sr. Seyfarth. Eu sou um desses hereges!


Mas vamos ao jogo!

Como em qualquer jogo alemão, a história é relativamente mal contada e não tem grande relação com a mecânica do jogo. O rei Filipe estava farto de uma vida dificil de ócio e luxúria na corte e resolveu entreter-se com a construção de um castelo para proteger as fronteiras de França.
O local escolhido foi uma pequena aldeia de fronteira chamada - adivinharam - Caylus. Este facto atraiu muita gente interessada em colaborar - leia-se ganhar dinheiro - à pequena aldeia e provocou uma explosão de crescimento, como aliás acontece em qualquer obra pública que se preze.

Assim, cada jogador assume o papel de um empreiteiro ambicioso, que vai colaborar na construção do castelo directamente, participando na construção das masmorras, das muralhas e das torres, ou indirectamente, através da construção de infraestrutura de apoio, como por exemplo, residências para os trabalhadores, pedreiras para extrair pedra, serrações para produção de madeira, etc.

Para isso, os jogadores acumularão recursos (existem 5: pedra, madeira, tecido, comida e ouro) que depois poderão usar nas actividades de construção, que lhes grangearão pontos de prestigio. Quem tiver mais pontos de prestigio vencerá o jogo.

O mapa

O mapa representa a paisagem da zona de Caylus, com o castelo no topo e, ao longo da estrada que sai do castelo, a pequena aldeia. Na estrada podem ver-se também espaços vazios, onde serão colocados os edificios construidos pelos jogadores, durante o jogo. No canto superior direito do mapa, está representada a tabela dos royal favours.

Mecanismos do jogo

Não querendo entrar em grandes pormenores em termos de regras (o BGG é, como sempre, o local a visitar, para quem as quiser ler), parece-me que é pedagógico descrever, por alto, alguns dos mecanismos do jogo propriamente ditos.

Cada turn é dividida em várias fases.

A primeira - e mais importante - é onde os jogadores colocam os seus trabalhadores (cada um dispõe de 6), alternadamente, nos edificios, pagando um denier (a moeda corrente do jogo) para o fazer. E isto é importante, porque ao fazê-lo estão a escolher os benefícios que vão obter dos edifícios na fase seguinte. Por exemplo, ao escolher colocar um trabalhador na pedreira, o jogador receberá uma pedra se e quando esse edifício for activado. Ou, da mesma forma, a colocação de um trabalhador na carpintaria permitirá ao seu dono construir um edifício de madeira num dos espaços vazios da estrada, se esta for activada. Cada edifício só pode levar um trabalhador, pelo que é fácil de perceber que, ao longo de um jogo, a concorrência por alguns edifícios é feroz e, por isso, a ordem pela qual se joga é muito importante. Felizmente, este é um jogo muito bem desenhado e, por isso, não só há um mecanismo que permite alterar a ordem do jogo (colocar um trabalhador nos estábulos permite fazê-lo) como há uma penalização monetária para o primeiro jogador a jogar.

Quando um jogador não quiser/puder colocar mais trabalhadores, passa a sua jogada.

Isto tem dois efeitos: o jogador em questão fica excluído desta fase e os custos de colocação de trabalhadores nos edifícios aumentam para todos os outros. Ou seja, se custa 1 denier colocar um trabalhador quando todos estão em jogo, o custo sobe para 2 depois do primeiro jogador passar, para 3, depois de passarem dois e assim sucessivamente, até um custo máximo de 5 (quando se está a jogar com 5 jogadores e 4 já passaram). Assim há alturas em que a melhor jogada pode ser passar...

Quando toda a gente já passou, passa-se para a fase de movimentação do provost! O provost é um fiscal de obras, que vai percorrendo a estrada. O local onde o provost está define o limite até onde se faz a activação dos edifícios. Ou seja, os edificios situados à frente do local onde o provost estiver no fim desta fase não "funcionam", mesmo que alguém tenha colocado lá um trabalhador.

Felizmente, o provost é subornável e pode andar mais ou menos, consoante os desejos de quem lhe paga. Assim, os jogadores (pela ordem de passagem) movimentam o provost até 3 casas, pagando um denier de suborno, por cada uma.

As implicações prácticas deste mecanismo são evidentes: os edificios que estejam mais perto do local onde o provost começa o seu movimento, são apostas mais arriscadas de colocação de trabalhadores, pois é possível - e acontece frequentemente - que as movimentações desta fase os coloquem fora da zona de activação, tornando-os inúteis. Esta é a única fase do jogo onde é permitida a negociação entre os jogadores, embora não se possa trocar nada mais do que palavras.

A fase seguinte é a activação dos edificios: começa-se a partir do castelo e vão-se activando os edificios por ordem, permitindo ao jogador que tenha um trabalhador seu lá colocado, usufruir dos efeitos desse edifício. É nesta fase que se ganham recursos, se constroem outros edificios, etc.

A seguir à activação dos edificios, quando toda a gente já tem os recursos na mão, há a fase de construção do castelo. Por ordem de chegada, os jogadores que colocaram um trabalhador à porta do castelo podem construir porções de masmorra, muralha, ou torres, pagando para isso alguns recursos. Por cada "porção" de castelo construída recebem-se pontos e o jogador que mais tiver construído na turn, recebe um royal favour.

Por último, mexe-se o Bailiff, o representante do rei na obra, que, na práctica, não é mais do que um temporizador de jogo. O jogo acaba quando o Bailiff chegar a uma posição determinada e move-se uma, ou duas casas para a frente, consoante a posição do provost, que, recorde-se, é movido pelos jogadores. Ou seja, o tempo de jogo também é afectado pelas acções dos jogadores. Para além do mais, a movimentação do provost, que já era fundamental por causa da activação dos edificios, ganha uma importância acrescida.

É fácil de perceber que, com o decurso do jogo, os espaços vazios ao longo da estrada, vão sendo ocupados com os edificios construídos pelos jogadores e que ficam disponíveis para ser usados por todos os jogadores, independentemente de quem o construiu. O construtor de um edifício tem a vantagem de ganhar pontos quando o constrói e pontos adicionais quando este é utilizado por outro jogador, pelo que é preciso pesar bem este factor no momento da escolha do edifício que se vai construir.

Royal Favours

Os royal favours são uma componente muito importante do jogo, pois acrescentam-lhe uma dimensão estratégica acrescida e merecem, por isso, uma menção especial. Podem ser ganhos no castelo da forma já descrita, ou podem ser comprados no joust field, pagando-se para isso um denier e um tecido.

Independentemente da forma como são obtidos, servem para ser gastos numa das quatro favour tracks (pontos, dinheiro, recursos e edificios) disponíveis onde, em troca de um destes favores reais, se pode obter - adivinharam - pontos, dinheiro e recursos ou construir edificios a preços mais em conta. Os efeitos são crescentes, ou seja, quanto mais favores se investem numa track especifica, maiores os benefícios obtidos por favor. Por exemplo, o primeiro gasto na track do dinheiro rende 3 deniers, mas o segundo já rende 4, o terceiro 5 e por aí fora, até um máximo de 7. Assim, e uma vez que não é possível apostar em força em todas as tracks, a escolha daquelas em que se investe reveste-se de uma importância estratégica de longo prazo fundamental.


Apreciação global

O Caylus é um jogo a sério, para gamers temerários e que exige várias sessões para ser dominado! A teia de interligações dos vários mecanismos do jogo está habilmente tecida, de tal forma que todas as escolhas que se fazem, têm implicações diversas, às vezes não antecipadas pelo jogador. Uma partida de Caylus implica, por isso, dar uso ao cérebro de forma intensiva, existindo inclusivamente vários casos de liquefacção cerebral registados. Contudo, em quase todos esses casos, a vitima foi encontrada com um enorme sorriso estampado na face, enquanto o cérebro, agora em estado liquido, lhe escorria pelas orelhas.

É um verdadeiro gamer's game, que necessita de várias sessões para que todos os mecanismos do jogo sejam familiares e possam ser manipulados pelos jogadores de forma eficiente.

As comparações com o Puerto Rico que têm sido feitas fazem algum sentido, já que os dois jogos apresentam algumas semelhanças no sabor que deixam na boca. Para além disso, também partilham a grande qualidade nos componentes, ausência de um tema envolvente e alguns mecanismos muito inteligentes que os tornam verdadeiros pesos-pesados em termos estratégicos e tácticos. Fizeram-se também algumas analogias interessantes entre alguns dos mecanismos dos dois jogos (no PR escolhem-se personalidades, que podem ser comparadas aos edificios do Caylus, uma vez que ambos permitem ao jogador que os escolhe beneficiar de uma acção especial) que sublinham esta ideia. Uma das principais diferenças, contudo, é na interacção entre jogadores, mais subtil no Puerto Rico e bastante mais à bruta no Caylus (através da competição pelos edificios, da movimentação do provost e da influência da ordem de passagem nos preços a pagar pelos outros jogadores).

Uma vantagem potencialmente importante do Caylus é o facto de ser um excelente jogo para 2 jogadores out of the box, enquanto o Puerto Rico necessita de uma variante oficial, embora se diga que esta variante é bastante boa (eu nunca experimentei). Uma desvantagem igualmente importante, tem a ver com o tempo de jogo: enquanto um jogo de PR se joga em 1h, um jogo de Caylus com 4 ou 5 jogadores experientes, não demora menos de 2h. Eu nem sequer recomendo o Caylus com 5 jogadores!

Seja como for, do meu ponto de vista o Caylus é um grande jogo, cheio de opções estratégicas e tácticas, que já proporcionou - e continuará a proporcionar no futuro - muitas horas de prazer.

Prós:
- Profundidade estratégica e táctica: é mesmo um jogo para pensar bastante.
- Variedade de alternativas para a vitória.
- Equilibrio dos vários mecanismos do jogo.

Contras:
- Tempo de jogo.
- Jogo pouco adequado para introduzir novas pessoas aos jogos de tabuleiro.

5 comentários:

zorg disse...

Podes comprar a versão francesa e sacar as regras do geek sem problema nenhum, porque não há nada no jogo que tenha texto. Se houvesse, eu estava tramado, porque a minha edição é alemã... ;)

zorg disse...

Ah e em relação ao tempo de jogo, a estimativa é optimista, se tiveres 5 jogadores. Com 4 experientes e não demasiado lentos a jogar, acho que consegues despachar um jogo em 2h e tal...menos do que 2.30h. :-)

Skip disse...

Excelente resenha. Parabéns e obrigado.

Skip disse...

Devido à sua resenha, comprei o Caylus. Obrigado pela ajuda.

Hugo Carvalho disse...

Espero que gostes tanto como nós.