09 março 2006

Crítica: Princes of Renaissance

Tenho-me queixado ultimamente da tendência que o meu grupo tem em jogar um jogo diferente cada vez que se reúne. É claro que não fazemos por mal, a culpa, a existir, é da quantidade de caixas que mandamos vir da Alemanha, o que faz que estejamos sempre desejosos de experimentar as novas aquisições e pouco propensos a voltar a repetir um título mais antigo.
Princes of Renaissance (PoR), felizmente, veio a alterar essa triste tendência. Repetimos um dia destes a jogatana e de súbito ficámos todos viciados naquilo. Não é raro os nossos olhos encherem-se de brilho quando, em conversa, salientamos as potencialidades do jogo e a forma como consegue envolver toda a gente. Aliás, enquanto escrevo estas palavras tenho um cintilo a sair-me da vista, o que leva a minha namorada a perguntar?
- Ó querido estás a chorar ou quê?


Como já devem ter adivinhado, Princes of Renaissance (PoR) de 2003 é, sem sombra de dúvidas, mais uma obra-prima de Martin Wallace. Aprecio cada vez mais a capacidade deste inglês em conseguir fazer com que os temas que escolhe para as suas criações envolvam todos os participantes. Nesse sentido, os jogos deste designer transpiram à essência da época e, por momentos, viajamos no nosso imaginário para lugares e tempos longínquos.
Como o título sugere, a acção de PoR passa-se na Itália do Século XV/XVI durante o renascimento numa altura em que as cidades mais importantes da Península lutavam pela hegemonia militar, económica e cultural.
A cada jogador cabe a tarefa de dar a cara por uma família. Essas famílias têm especificidades próprias e tentam alargar a sua influência às cidades principais de Itália. A influência pode ser feita através de mercadores (comércio), poder militar (guerra) ou através da confiança de figuras de grande proa do renascimento italiano como Catarina Sforza, Lucrecia Borgia, Lorenzo Medici ou Afonso de Aragão.
Portanto, como é bom de ver, Martin Wallace montou todo o ambiente do início da época moderna e cabe ao jogador mexer cordelinhos para a sua família conseguir ascendente sobre todas as outras controladas pelos adversários.


Como Funciona o Jogo:
Duma forma simplista, porque é difícil explicar as regras sem o material à frente, a mesa enche-se duma catrefada de tiles que devem ser leiloadas. Tudo o que tem forma quadrada, tirando as tiles de exércitos, está à venda pela melhor oferta. Parece as lojas dos 300.
Os exércitos, por sua vez, podem ser comprados directamente sem passar por um leilão.
O jogo movimenta-se em torno de 5 cidades principais. A saber, Florença, Roma, Veneza, Nápoles e Milão. Estas cidades vão subindo ou descendo o seu status consoante o resultado das batalhas que se fazem durante o jogo. Se por exemplo um jogador, na sua vez de jogar, quiser que Nápoles e Florença entrem em guerra pode fazê-lo. O resultado dessa guerra faz com que as cidades subam ou desçam o seu status, sendo certo que a cidade vencedora sobe e a derrotada desce. O status é marcado com um número de 3 a 10 numa tabela no tabuleiro. Uma cidade que vença uma batalha sobe, por exemplo de 5 para 6 e a que perde de 8 para 7. Em certos casos a subida e a descida pode ser de 2 unidades quando uma vitória/derrota numa guerra é avassaladora.
Cada cidade tem inerentes seis tiles. Essas tiles têm especificidades próprias. Podem dar desconto na obtenção de outras tiles, podem subir o poder militar em um ponto ou podem obter vantagens financeiras aquando do fim duma época, altura em que os jogadores recebem algum dinheirinho em resultado do que andaram a fazer. As tiles inerentes às cidades licitam-se em dinheiro. A base de licitação é o dobro do valor que a cidade ocupa na tabela de status. Se houver um leilão por Afonso de Aragão (tile de Nápoles) e Nápoles estiver na posição 5, a base para negociação é de 10 (o dobro). Por isso é difícil avaliar o valor das tiles. Um jogador pode comprar esse Afonso de Aragão por 20 e, umas rondas depois, comprar uma tile mais poderosa, da mesma cidade, por metade do valor, resultado da descida da cidade de Nápoles no ranking de status. Tudo depende do dinheiro que se tem em carteira e, claro, dos resultados das guerras e da forma como se calcula estas variações. Em PoR nada é constante, tudo varia.
Onde se ganha mais dinheiro é nas guerras. Para se fazer parte duma guerra um jogador anuncia a sua intenção de declarar guerra, dá a conhecer as cidades intervenientes e de seguida dá-se um leilão para saber qual dos jogadores vai colocar os seus exércitos ao dispor da cidade que ataca e da cidade que defende. Como é evidente a participação nas guerras pode ser concorrida e também dispendiosa. Existem dois tipos de recursos utilizados. O dinheiro e o prestígio. Nas guerras o jogador licita em prestígio e se vencer terá a possibilidade de disponibilizar o seu exército à cidade e assim ganhar dinheiro. O valor em dinheiro que o jogador recebe depende do status da cidade. Se a cidade estiver no nível 10, esse jogador ganha 10, se a cidade estiver no nível 3, então paga 3. Aqui não interessa quem vence a batalha. O jogador é pago por entrar na guerra e ponto final. Tal e qual um mercenário da época do renascimento. O dinheiro, como já disse, é necessário para comprar as tiles e o armamento necessário para vencer as guerras. Por isso, como podem perceber, está tudo interligado.
As vitórias nas guerras, contudo, dão coroas que no fim do jogo permitem somar pontos de vitória. A partir de certa altura, quando o jogador já totaliza um certo número de coroas os pontos daí obtidos já são consideráveis.
Os exércitos são comprados directamente na vez do jogador que só pode fazer uma acção por turno (leiloar, anunciar guerra, comprar tropas e comprar cartas). Estes exércitos têm valores defensivos e de ataque. Nas guerras soma-se tudo ao resultado do dado e assim é determinado o vencedor. Tem outras nuances, claro, mas basicamente é isto.
O jogo está dividido em 3 décadas. Cada década só pode ter, no máximo, 6 guerras e chegado a esse número mais nenhuma pode ser feita. Contudo o que determina o fim duma década é a compra do 4º artista. Cada década tem 4 artistas à venda (que dão, na maioria das vezes, pontos de vitória no fim do jogo) e quando o último é vendido o jogo passa para a década seguinte sendo distribuído dinheiro pelos jogadores consoante o seu desempenho e surgem mais 4 tiles de artistas. Nesse sentido o PoR pode durar 30 minutos como 2 horas. Tudo depende da vontade e do interesse dos jogadores em leiloar os artistas.
No fim do jogo, os jogadores pegam nas tiles que compraram e vêem quantos pontos estas valem em resultado, adivinharam, do status que as cidades têm. Imaginemos que Veneza acaba o jogo com 10 pontos. Cada tile que um jogador tiver de Veneza vale 10 pontos. E o mesmo se passa com as outras cidades. Há também pontos para os mais poupadinhos.
Existe também a sinistra figura do Papa. O jogador que tiver o Papa pode, se assim o desejar, juntar o seu exército a um lado duma batalha sem ter de pagar nada. Interfere, desta forma, duma maneira decisiva no resultado da batalha, o que pode ser interessante para que as cidades tenham o status consoante os seus interesses. Na última década o Papa torna-se bastante útil, numa altura em que tudo se decide. Se um jogador tiver 3 tiles de Milão, com toda a certeza convém-lhe que Milão não saia derrotada das guerras podendo assim juntar o seu exército aos defensores de Milão.
Paralelamente existem as cartas de traição que se podem comprar por um dinheiro e um prestígio. Essas cartas de custo um pouco reduzido face aos valores que todas as outras coisas têm, permitem ter acções especiais bastante interessantes, como por exemplo, afastar um jogador de licitar uma determinada carta, roubar dinheiro e prestígio aos adversários ou impedir guerras, bem como neutralizar exércitos ou obter reduções nas licitações. Quando jogadas no momento certo podem ser uma vantagem bem preciosa.
E basicamente é isto.


O interesse de PoR está todo na forma como tudo se liga magistralmente. Cada jogador pode ter uma estratégia e pode-se vencer jogos sem ganhar uma única batalha. Nesses casos vive-se da especulação e dos mercadores. É um jogo que tem uma interacção brutal entre os jogadores e exige muita visão estratégica. Saber o que comprar o que leiloar, quando comprar e a que preço.
Como já disse, o valor das tiles varia ao longo do jogo e quanto mais tarde se comprar, quando os jogadores tiverem menos dinheiro, mais baixo é o preço, fazendo-se desse modo bons negócios. Por exemplo já comprei um mercador de Veneza por 20 e, quatro rondas depois, um adversário comprou outro mercador por 10 e sem que o status da cidade sofresse variações. Isto explica-se porque o comprei no início do jogo quando toda a gente tinha dinheiro e ele comprou quando toda a gente estava nas lonas. Nessa perspectiva existe muito bluff. As licitações são feitas no sentido de fazer com que o valor da tile aumente e que a sua compra seja feita ao maior preço possível. Muitas vezes toda a gente passa e um jogador que licitou só para a carta subir de valor acaba por ficar com ela a um preço elevado. Todas as cartas dão qualquer coisa ao jogador que a comprou. Quanto mais derem, mais caras teoricamente são por despertarem maior cobiça.
Os jogadores têm de estar atentos às guerras e devem saber quais as cidades que lhes convém fazer subir e fazer descer.
PoR é um jogo inteligente, profundo e que faz pensar como poucos. A sorte aparece, claro, mas nem se nota. Apesar de aí serem utilizados dados, o desfecho duma batalha, por si só, não é muito importante nem seque decisiva.

Pontos Positivos:
- Tudo e mais alguma coisa. Tem muita interacção, tem muita guerra, tem muito leilão, tem muito bluff, tem muito jogo sujo e tem dois dados.
- O ambiente. Transpira Itália renascentista por todos os lados.
- Qualidade do material.
- É um jogo extraordinariamente viciante.

Pontos Negativos:
- A primeira vez um jogador não sabe muito bem o que anda a fazer no tabuleiro.
- Algumas tiles estão mal traduzidas para inglês. Com o tempo é que se dá com o erro.
- Não é um jogo para toda a gente. Jogar com pessoas mais novas pode tornar-se uma experiência caótica.

8 comentários:

Skip disse...

Serei obrigado a comprar este também. Suas resenhas são muito boas. Obrigado.

zorg disse...

Vou tentar responder ponto a ponto. :)

1) Eu diria que o jogo fica mais interessante, quanto maior for o numero de intervenientes, ou seja, o numero ideal serão 6 jogadores.

2) Já joguei o jogo com 3, 4 e 5 jogadores e penso que, apesar de com 3 se jogar relativamente bem, 4 seria o minimo que eu recomendaria.

3) Quanto à duração, ela é ditada pelos próprios jogadores (as décadas terminam quando 4 tiles de um determinado tipo são vendidas), por isso é dificil fazer previsões. Posso dizer-te que, com 3 jogadores, não demoramos mais de 1 hora e com 4 deves demorar menos de 2. Com 5 e 6 o jogo ficará um bocadito mais longo, mas, como te disse, também depende das incidências do próprio jogo.

4) As regras não são complicadas e aprendem-se depressa. Em 20 minutos deve ficar tudo explicado. O problema é que as possibilidades (e as tiles) são tantas, desde o primeiro momento, que é fácil ficar-se perdido sem saber o que fazer. Recomendo que na primeira vez que jogarem, se "forcem" a fazer qualquer coisa, mesmo que no inicio não percebam muito bem o que estão a fazer. Depois, à medida que o jogo for decorrendo, vão verificando que tudo faz sentido.

5) O tabuleiro - que na minha opinião é bastante fraquinho em termos qualitativos e quase dispensável - monta-se em 30 segundos.

6) Cada jogador tem noção da sua própria pontuação e consegue ter uma ideia das posições relativas dos adversários. No entanto, como o scoring envolve muitos factores e alguns deles são secretos (o dinheiro e o prestigio), é comum haver surpresas no final.

7) O jogo é feito de interacção, não só através dos leilões constantes, como também através dos acordos entre os jogadores (que são explicitamente permitidos pelas regras), ou das treachery tiles. Às vezes é dificil perceber quem é o líder e não é possível *destruir* um jogador (salvo duas excepções de efeitos relativamente reduzidos: a tile de roubar dinheiro e a tile de roubar influencia). Pode-se é tentar impedi-lo de ganhar mais pontos...mas o visado também tem opções para se defender. É dificil explicar, mas posso garantir que não é um jogo em que se consiga arrasar um tipo que vá à frente, deixando-o sem possibilidades de ganhar.

Hugo Carvalho disse...

Fpgina:

Devia começar a ter percentagem sobre o que tu gastas em jogos em resultado das nossas críticas. :)

Aqui vão as respostas:
1 – apesar de ser um jogo para 6, é um jogo que se joga bem a 4 e 5. Não é aconselhável jogar a seis porque uma das famílias tem uma especificidade mais poderosa que as outras. Mas julgo que a seis a confusão pode tornar a experiência não tão apetecível. Só joguei a 4 e 5 e funcionou bem. Muito bem mesmo, de tal forma que estamos todos viciados. Mas com o numero máximo, é provável que não haja tanto dinamismo.
2 – Eu, neste assunto, sou um bocado suspeito. Gosto de ter sempre muita gente na mesa. Detesto jogar a 2 ou a 3. Pelo que 4 é um bom número mínimo para este jogo. Mas gostei mais de jogar a 5.
3 – Duas horas é a duração média do jogo. A não ser que tenhas um jogador como o Shahim ou o David que estão sempre a voltar atrás nas decisões. Se tiveres conta com duas horas e meia. Mas as primeiras sessões são mais demoradas, até porque é um jogo difícil de interiorizar na primeira joga.
4 – É um jogo que pode originar alguma confusão a quem não esteja habituado a jogos mais pesados ou que seja um jogador ocasional. Consegues explicar facilmente as regras e rapidamente. Mas é como te digo, és capaz de ter dificuldades a explicar a jogadores que não estejam habituados a estas coisas. Se forem gamers de craveira reconhecida, a explicação das regras decorre rapidamente.
5 – 5 minutos.
6 – Tens uma noção mais ou menos correcta de quem vai à frente, mas nunca tens a certeza. Até porque a pontuação varia de ronda para ronda em sequência do valor que as cidades têm. Eu posso ter tiles de uma cidade que vale 7 numa ronda e na ronda seguinte, em consequência das guerras, valer apenas 5. Mas tens uma noção de quem é o alvo principal. Mas é um jogo que só se decide na última ronda. Convém o jogador precaver-se para a última rodada.
7 – Aqui é que está o grande atractivo do jogo. É um jogo que estás em conflito permanente com os outros jogadores. Ora em guerra ora nos leilões. Mas a melhor maneira de atacar um jogador é no leilão. Mas tens de usar o bluff. Tens também cartas que permitem eliminar um jogador de licitar, o que é uma vantagem para retirares o aparente líder de obter cartas. Podes também atacar o líder fazendo descer o valor da cidade em que o jogador tem mais interesses. Isso faz-se através de guerras. Mas cuidado, porque uma coisa é certa. Uma cidade pode descer, mas outras sobem. Ao quereres atacar uma determinada cidade com o intuito de prejudicar o aparente líder, podes fazer subir outra e dar mais vantagem a outro jogador. O jogo tem uma grande dinâmica. Tá sempre a correr. Guerra, leilão, bluff. Mas é um jogo de leilões e de grande interacção.

zorg disse...

2 coisas:
- Apesar de ter dito que o tabuleiro se montava em 30 segundos, esqueci-me que é preciso dispor as 250 000 tiles do jogo em cima da mesa. Isso é capaz de demorar mais 2 ou 3 minutos, por isso conta com um tempo de setup de aproximadamente 3 minutos e 30 segundos. ;)
- O jogo está out of print, apesar de se encontrar com alguma facilidade em portugal (a netsurf aparentemente tinha muitas cópias em stock). No entanto está previsto um reprint que, ao que consta, está para breve. Se calhar fará sentido esperar pelo reprint, porque pode ser que melhorem a qualidade de alguns dos componentes (eu sei que a review diz que é boa, mas eu discordo: o tabuleiro é horrível e as tiles são uma porcaria).

Hugo Carvalho disse...

Acho a qualidade do material boa. A única coisa realmente é má são os quadradinhos do dinheiro e do prestígio. Mas a intenção será nao dar indicação do valor que se tem em mãos.
Mas o jogo é tão bom que nem que fosse feito de papel vegetal um gajo gostava e fartava-se de jogar.
A propósito ainda estava uma cópia no corte inglês da última vez que lá fui (duas semanas)por 40 euros.

zorg disse...

Eu acho o tabuleiro fraquinho e feioso. Para além disso as próprias tiles não são de material de qualidade. Se as comparares com as do tigris, ou as do carcassonne, vês logo a diferença.

Mas concordo contigo: o jogo é tão bom que até podia ser feito em papel cavalinho e pastilha elástica mastigada, que eu jogava na mesma.

zorg disse...

Eu já joguei o jogo com 3 e, apesar de ser perfeitamente jogável, acho que perde um bocado. Para mim, este é daqueles jogos que realmente ganha com um numero maior de jogadores.

Num registo completamente diferente, tens o Caylus, que para além de também ser um GRANDE jogo, é muito bom com 3 jogadores (e também com apenas 2, ou com 4...só com 5 é que, na minha opinião, demora demasiado tempo). E o Caylus encontras com facilidade...

soledade disse...

Só agora estou preparado para comentar o PoR. Daí o atraso. Mas tenho de comentar. Há uma força dentro de mim que me impede de estar calado perante tamanha avalanche de qualidade!!!
Dentro da nossa experiência o jogo joga-se muito bem a três. Claro que a quatro (nunca experimentei a cinco ou mais) torna-se mais competitivo, até porque se trata de um jogo de leilão, ou seja, quantos mais a "bidar", mais picante se torna. Ainda assim parece-me, dentro do estilo de jogo "mainstream" (ou seja, com leilão, guerra, dinheiro...), o mais completo deles todos. Inclusivé também, porque tem aquela pontinha, e não mais que uma pontinha, de sorte.
O Sr. Wallace merece uma estátua. Para mim, PoR só é ultrapassado pelo Liberté mas esse, claro está, já não é tanto um jogo maistream, no sentido em que se trata de um area control game. Ou seja, é um estilo de jogo, eu diria, menos para non-gamers.

Paulo